Foto: reprodução
Publicado em 9 de março de 2017
Marisa Arruda Barbosa
Se
você não conhece Marcos do Val, “O Brasileiro na SWAT”, provavelmente algum
amigo seu “curte” a página dele no Facebook. Com quase 4 milhões de seguidores,
Do Val tornou-se autoridade nos últimos anos em relação a segurança pública e
táticas de defesa e mostra constantemente a rotina de treinos da SWAT.
Só
que ao contrário da impressão passada pelas imagens dele usando uniformes da
SWAT, armado e ao lado de policiais americanos, o próprio Do Val afirma não ser
nem policial nem membro da SWAT, mas um instrutor de técnicas de imobilizações
táticas da SWAT através da companhia que fundou, CATI- International Police
Training, desde 2000, e membro honorário da SWAT de Beaumont, no Texas – o que
quer dizer ele recebeu o título sem precisar preencher os requisitos para o
cargo. Ele também é mestre 2º Grau em Aikido, diplomado e credenciado pela
International Aikido Federation, situada no Japão, e foi militar do exército
brasileiro no 38o Batalhão de Infantaria, de acordo com descrição em seu site.
Seu
site lista também que foi instrutor de instituições como US Army, Navy Seals,
Vaticano, operações especiais da NASA (Marshall Space Flight Center), e que
fora chamado com urgência após os atentados terroristas de 11 de setembro de
2001 para treinar os soldados americanos que foram lutar na guerra do
Afeganistão e Iraque.
Nos
últimos meses, um grupo formado por brasileiros nos EUA e no Brasil ligado ao
mundo tático, ao US Army, à polícia e mesmo residentes na Europa, resolveu
desvendar a imagem passada por Do Val. Para o grupo, Do Val se aproveita de sua
posição como instrutor na SWAT para se promover no Brasil com a venda de cursos
e palestras.
O
confronto tem se dado na maior parte das vezes online, via redes sociais, e em
grupos do aplicativo WhatsApp, com trocas de acusações, compartilhamento de
vídeos, denúncias de difamação e supostas ameaças.
Para
eles, a imagem passada por Do Val é de que ele faz parte da polícia americana,
algo que ele teria afirmado em situações no passado, uma delas registrada em
vídeo.
O
brasileiro e cidadão americano Lincoln Batista, de 29 anos, membro do US Army e
que atualmente está servindo na infantaria do exército no Afeganistão, foi um
dos que começou a “briga”. Para ele, o brasileiro está usando o nome da SWAT
para se promover no Brasil. “A SWAT é uma instituição que conta com os melhores
policiais que são os que dão o crédito à instituição. Mas, uma pessoa que foi
contratada para dar aula de imobilização sair falando que é membro da SWAT,
tirar fotos mostrando ‘police’ no uniforme e sem passar uma imagem clara do que
realmente ele faz para a população é uma vergonha”, disse Batista. “Ele é
instrutor de imobilização, mas não um membro da SWAT. Por isso, ele não utiliza
arma de fogo, sendo que o trabalho dele não é policial. Mas a propaganda se
passando por um policial está explícita. Não é culpa dele que o pessoal entende
errado, mas ele passa essa imagem segurando armas como se fosse ferramenta de
trabalho dele, mas não é”.
Outro
que entrou na briga é Maurício Lima, que vive em Colorado Springs, no Colorado,
e é aposentado do US Army, onde serviu por 7 anos e oito meses, incluindo o
Iraque e Afeganistão.
Segundo
Maurício, Do Val ‘vende’ algo muito superior do que o que ele realmente faz.
“De dar exibições aqui na SWAT ele já admitiu que é policial, que é membro da
SWAT, postou que foi chamado às pressas depois de 11 de setembro para treinar
as Forças Especiais americanas que estavam indo em combate para o Iraque e
Afeganistão. Temos os prints de tudo isso que ele postou, pois ele já apagou
muita coisa depois que a gente denunciou”, relata. “Eu entrei nessa luta com
várias pessoas que são respeitadíssimas do mundo tático aqui e no Brasil e que
sabem muito”.
Marcos
do Val se defende
Ao
ver a onda de críticas tomando força, Do Val publicou um vídeo no dia 24 de
fevereiro em sua página do Facebook.
Para
ele, essa perseguição começou depois que ele anunciou parceria com a empresa
Taurus em um projeto de valorização dos policiais brasileiros, chamado Heróis
Reais. “Como a Taurus teve muitos problemas no passado de qualidade de suas
armas, gerou muita repulsa por alguns profissionais da área, e por isso
partiram para cima de mim com toda essa raiva e campanha de difamação. Tenho
tomado providências junto à Delegacia de Crimes Virtuais para que os mesmos
respondam pelos crimes de injúria, difamação e calúnia”, explica.
No
vídeo, Do Val afirma que não é policial, mas sim instrutor de policiais. “Que
me lembre, ao longo desses 17 anos falei duas vezes a frase ‘como sou
policial’. Uma vez foi em um vídeo, outra em uma resposta a um seguidor no meu
Facebook. Essa frase jamais foi dita com o intuito de tirar qualquer vantagem
pessoal”.
Do
Val afirmou ainda não ter nenhum vínculo empregatício com a cidade de Dallas,
com a Polícia de Dallas, com a SWAT de Dallas, nem com nenhum outro
departamento de polícia.
“Eu
dei e dou treinamentos de imobilizações táticas para essa unidade e tantas
outras unidades da SWAT através da TTPOA e do CATI Treinamento Policial”,
disse. “Essa técnica de imobilizações táticas eu desenvolvi na década de 90, no
estado do Espírito Santo, e foi ela que abriu tantas portas no mundo inteiro
para mim”.
Ao
Gazeta, Do Val explicou que embora seja instrutor de imobilização, por causa da
relação de confiança com a SWAT de Beaumont, tem a permissão de participar de
operações sempre que possível.
“Para
a SWAT nos EUA eu sou instrutor somente na disciplina ‘Imobilizações Táticas’,
mas me especializei em todas as táticas e técnicas da SWAT. Assim, posso
ministrar minhas aulas o mais próximo ainda da realidade da SWAT e usamos na
aula armas e equipamentos operacionais”.
“Um
brasileiro na SWAT”?
O
GAZETA questionou Do Val se o título do livro sobre ele “Um Brasileiro na SWAT”
não confunde seus leitores em relação a ele ser ou não policial.
“Criar
confusão sobre a natureza do meu trabalho nunca foi meu objetivo. O livro sobre
mim conta a minha experiência, os desafios e as vitórias. E esta trajetória
narra como vim a ser instrutor na TTPOA (Texas Tactical Police Officers
Association), ministrar meu curso de imobilizações táticas para várias equipes
táticas policiais (SWAT), mas em momento algum há ali qualquer registro como se
eu fosse membro da SWAT de outra forma que não a condição que já expus, como
membro honorário da equipe da SWAT de Beaumont”, explica. “Foi justamente na
condição de instrutor que sempre me posicionei e sempre mencionei a todos que
nunca figurei na qualidade de servidor policial”.
O
Gazeta também questionou Do Val em relação a uma matéria publicada no G1 (em
20/10/2007), intitulada “’Tropa de elite’ americana desembarca no Brasil”, que
tinha uma referência a Do Val como “membro e instrutor da Swat”, que falou “de
seu escritório em Dallas”.
Do
Val explicou que, na época, tinha um escritório em Dallas, este independente do
Dallas Police Department.
“Quanto
aos episódios isolados em que ‘fui policial’ foi algo mencionado, (acho que em
duas situações) durante os 17 anos da minha carreira, era minha intenção me
referir à posição honorária, não como um servidor público policial. Jamais fiz
tais ou quaisquer afirmações com propósito de exercer autoridade, auferir ou
angariar vantagem, seja ela de qualquer natureza (moral, patrimonial, etc.). Ou
seja, talvez a única impropriedade minha tenha sido em raríssimos lapsos em
situações ao vivo suprimir apenas em tais momentos a condição de
instrutor/membro honorário quanto à minha posição em relação a polícia”,
declarou.
“Oportuno
ainda ressaltar aqui a diferenciação evidente entre ‘instrutor policial’ e
‘policial instrutor’. No primeiro caso, trata-se de alguém que realiza
instruções a um determinado órgão policial, que é o meu caso, pois eu instruo
policiais, ora então, sou um instrutor policial, um instrutor de policiais. No
segundo, a situação já seria daquele servidor policial que realiza instruções,
expressão esta que jamais utilizei”, explica.
Evidências
O
Beaumont Police Department confirmou ao GAZETA a sua relação com Do Val como
instrutor. “Marcos do Val não é membro do Beaumont SWAT Team. Marcos conduziu
treinamentos na área de táticas de defesa especificamente através do CATI e
participou de alguns de nossos treinamentos também. Marcos continua a nos
ajudar nessa área e somos agradecidos por seu contínuo esforço em nos ajudar”,
escreveu, via e-mail, Sargento J.C. Guedry, Police Community Relations
Supervisor/SWAT.
Já o
Dallas Police Department (DPD), onde Do Val instruiu recentemente (de acordo com
várias evidências mostradas por ele), respondeu ao GAZETA que Do Val não é e
nem nunca foi membro nem do DPD, nem do DPD SWAT. “Ele instruiu um curso há
alguns anos para o DPD. O DPD não usa seus serviços atualmente e não tem
nenhuma ligação com ele”, disse Melinda Gutierrez, do Media Department.
Indagado,
Do Val explica que sua relação com o Dallas SWAT é via cursos do TTPOA, dos
quais participa desde 2001, e não diretamente com o departamento de polícia.
Este
ano Do Val estará novamente como instrutor da conferência da TTPOA, uma
convenção com palestras onde são mostradas técnicas policiais como de
imobilização, atendimento pré-hospitalar e tático. O CATI vende pacotes para
levar policiais brasileiros à conferência. O pacote do “Super SWAT”, que vai de
16 de abril a 5 de maio em Dallas, custa $2 mil dólares.
No
entanto, Paulo Semajoto, dono de uma empresa de Ccnsultoria de segurança em São
Paulo, insiste que Do Val sempre deixou claro que dava instrução ao Dallas
Police Department e à SWAT e só agora nas últimas semanas está esclarecendo que
é via TTPOA. “Ele vende pacotes para brasileiros dizendo ‘venha comigo para a
SWAT’, mas na verdade ele não leva esses brasileiros para a instituição SWAT”,
explica Semajoto. “Agora que ele está sendo desmascarado está deixando claro
que é via TTPOA, e não na polícia de Dallas”.
Currículo
e outras acusações
Existem
outras partes do currículo de Do Val que o grupo também contesta. Seu site
(marcosdoval.com.br) lista que foi instrutor de instituições como US Army, Navy
Seals, que ministrou treinamentos para o grupo anti-terrorismo da equipe de
operações especiais da NASA (Marshall Space Flight Center) nos EUA e que fora
chamado com urgência após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001
para treinar os soldados americanos que foram lutar na guerra do Afeganistão e
Iraque.
A
lista inclui até mesmo o Vaticano e mais de 120 corporações policiais e de
segurança espalhadas por diversos países.
O
grupo questiona e está buscando provas de que Do Val não deu treinamento às
Forças Especiais. Para eles, seria impossível Do Val ter treinado forças
especiais ativas sem passar por Secret Clearance (investigação minuciosa).
Do
Val mostrou um cartão de agradecimento que recebeu do Naval Weapons Station
Earle, referente a treinamentos dados em dezembro de 2012 e abril 2013. Ele
esclareceu ao GAZETA que não treinou tropas, mas os instrutores das tropas e
não passou por Secret Clearance “porque esse processo é somente para quem terá
acesso a determinadas informações sigilosas do governo. E esse não foi o meu
caso”, disse Do Val.
Porém,
Maurício Lima, aposentado da US Army, diz que é impossível Do Val ter treinado
os soldados americanos ativos (conforme está escrito em seu website) por
diversos motivos.
“Eu
sou somente cidadão americano, pois quando obtive a cidadania, precisei perder
a brasileira, por causa de Secret Clearance – uma investigação que precisa ser
feita na sua vida para constatarem que você é digno de lidar com material
secreto. Uma das coisas necessárias para treinar forças especiais ativas que o
Do Val fala que treinou e, claro, não treinou nunca, é que se ele não tiver
esse Secret Clearance, ele não vai poder treinar forças especiais”, disse
Maurício. “Outra coisa é que se ele estivesse treinando tropas ativas, ele
jamais poderia postar foto do treino, conforme publicado em sua página do
Facebook. Ele pode ter feito uma demonstração, uma exibição informal, nesse
caso, num depósito de munição da Marinha (Naval Weapons Station), mas não um
treino tático ou militar. Se ele fosse fazer um treinamento oficial, ele teria
que ser militar ou policial. Mesmo que fosse um treino para o chefe da tropa,
ele precisaria da Clearance”.
Para
Maurício, que já perdeu muitos colegas nas guerras do Afeganistão e Iraque,
entrar nessa batalha é questão de honra. “Eu entrei nessa quando descobri que
ele disse que treinou Forças Especiais Americanas. Aí ele mexeu com a nossa
‘brotherhood’. É o que chamamos de Stolen Valor – o ato de se passar por
militar ou policial. Nos Estados Unidos, se você usa isso para lucro próprio é
crime. Você pode comprar e usar uniformes oficiais, mas é crime obter lucro. O
Marcos Do Val está fazendo isso no Brasil. Aqui ele não fala publicamente que é
policial americano. Ele está aplicando o golpe no Brasil. As autoridades dos
EUA então não podem fazer nada contra ele. O que pode acontecer – e o que estamos
tentando – é que o Departamento de Dallas afirme publicamente que ele não é
parte nem nunca foi e possivelmente seja barrado de qualquer exibição. É isso
que estamos tentando”.
url da matéria: http://gazetanews.com/brasileiro-da-swat-e-acusado-de-farsa/