Carlos Alberto Marchi
de Queiroz
Soube do passamento do doutor
José Leonardo Pedroso pela coluna
Falecimentos do Correio Popular,
de 12/5, A10. Laconicamente, dizia que morrera em 9 de maio de 2017, que
nascera em Tambaú, SP, em 25 de janeiro de 1938 - dia da celebração da
conversão de São Paulo - deixando irmãos, filha e duas netas.
Doutor Pedroso foi uma das autoridades
policiais mais íntegras e dinâmicas da Polícia Civil de Campinas. Convivi com ele,
como professor da Academia de Polícia e como operacional , em face da organização, que nos atribuiu semelhantes missões.
Atarracado, baixo, forte, explosivo, fumante
inveterado, voz tonitruante, personalidade marcante, enxergava através de grossos
óculos. Lembrava o político Mário Covas. Sempre me telefonava de Florianópolis,
onde gozava do ócio com dignidade. Tratava-me, fraternalmente, de Carlos
Alberto.
Num dos telefonemas, no ano retrasado,
ainda morando aqui, contou-me delicioso episódio, acontecido dentro de um
supermercado perto do Centro de Convivência, no Cambuí. Relatou que, certa
manhã, fazendo fila para pagar as compras, percebeu que um jovem, marombado,
ofendia, com palavras de baixo calão, a operadora de caixa que, chorando, não conseguia
livrar-se do turbulento.
Aproximou-se, perguntando com voz grave: “O
que está acontecendo?”. O folgazão, respondeu: “Cale a boca, velho!!!”. Pedrosão
não vacilou. Esfregando a carteira funcional, de cor vermelha, que conservara,
como de direito, após a aposentadoria, na cara do malvivente, retrucou, com voz
de trovão: “Velho não. Delegado de polícia!!!”
Agarrando o esbugalhado desordeiro pela gola,
convocou os seguranças. Identificando-se, determinou: “Detenham este indivíduo.
Chamem a PM!” O brutamontes, pálido, molhou-se, pedindo o relaxamento da
custódia.
Pedroso ordenou: “Peça desculpas à moça, moleque”.
Blefou: “Senão, vou levá-lo ao 13º DP do
doutor Rocha, para autuá-lo por desacato”. Arrematou, energicamente: “Só irei
relaxar a prisão se pedir desculpas à mocinha.”
Dirigindo-se, carinhosamente, à
vítima, perguntou: “Filha, você aceita as desculpas dele?” Diante da anuência
da garota, ordenou: “Então, vagabundo, peça desculpas, já!” O indigitado,
apavorado, obedeceu. Liberado, desapareceu antes da chegada dos milicianos,
logo dispensados pelo delegado aposentado. Contou-me isso, dando gostosas
gargalhadas.
José Leonardo Pedroso, cremado em
Florianópolis, foi um dos mais destemidos delegados de Campinas. Filho de
humilde oleiro em Tambaú, órfão de mãe, foi adotado pelo delegado Ulhoa Canto,
em 1944, quando o diretor da 3ª Delegacia Auxiliar, visitando, em inspeção, a
cidade do padre Donizetti, encantou-se com aquele menino de 6 anos, que sofria
de paralisia infantil.
Levado para São Paulo, o petiz,
operado e curado, frequentou colégios. Formando-se em Direito pela Faculdade do
Largo de São Francisco, em primeiro lugar, foi colocado pelo pai adotivo na
Polícia Civil como delegado substituto. Efetivado em 1968, após prestar concurso
de provas e títulos, iniciou a carreira em Analândia. Transferido para Piracicaba,
veio depois para Campinas, como titular da Delegacia Especializada em Acidentes
de Trânsito - Deat.
No início de 1970, chefiou a
Delegacia de Jogos, Costumes e Entorpecentes. Nessa ocasião, segundo Antonio
Lázaro Constâncio, presidiu o primeiro flagrante de LSD contra uma socialite que portava a droga. Depois, inaugurou o 2º DP, no São Bernardo, como
titular. Prendeu o famigerado ladrão Pé
Sujo e Luiz Carlos do Valle, romântico assaltante de bancos. Acabou com a
prostituição no centro da cidade.
Nessa década, presidiu inquérito
contra ex-prefeito, acusado de apropriação dos trilhos dos bondes, desativados
anos antes, localizados em Pedregulho, na fazenda do pai, arquivado em juízo.
Foi assistente do delegado Amândio Augusto Malheiros Lopes, na Delegacia
Seccional e na Delegacia Regional de Polícia, por seus excepcionais dotes
intelectuais, morais e jurídicos.
No último ano do governo Montoro,
em 1986, e nos sucessivos, de Orestes Quércia, que o detestava, tornou-se o
segundo homem na hierarquia da Polícia Civil, trabalhando como chefe de gabinete
do delegado-geral Amândio. Depois, foi delegado regional de Piracicaba por seis
anos. Perdeu um filho, investigador de polícia, morto no cumprimento do dever.
Sofreu muito com a tragédia. Serviu, de novo, ao DGP Jorge Miguel. Tratava de
filho os mais jovens Encerrou a carreira
como diretor da Academia de Polícia de Campinas, em 2008, defendendo os
Direitos Humanos.
Antes de falecer, telefonou-me
pedindo que advogasse para sua esposa, a fim de receber seu pecúlio. Confessou-me
que Deus não o amava mais e que dele se esquecera. Deus levou-o há um mês.
Pedroso combateu o bom combate, completou a carreira e guardou a fé, a exemplo
do apóstolo Paulo, em sua Segunda Carta a Timóteo, 2 Tm 4:7.
Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.