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Assumi a função de juiz corregedor da Polícia Civil faz
cerca de dois meses. Por determinação legal realizei visita correicional nos 21
distritos policiais de Campinas. Fiquei estarrecido com o que vi. Em uma
palavra, em princípio radical porém verdadeira, é possível dizer sem medo de
errar que a Polícia Civil do Estado de São Paulo está praticamente parada. É
uma estrutura amorfa, em franco processo de sucateamento. Já de plano faço a
ressalva de que certamente a situação atingiu tal ponto não foi por culpa de
seus integrantes, os homens e mulheres que trabalham em condições algumas vezes
sub-humanas, muitos demonstrando verdadeiro amor à nobre função que exercem.
Os distritos policiais não contam com quadro adequado de
funcionários, não possuem equipamentos mínimos adequados, não têm estrutura suficiente
sequer para cumprir as tarefas burocráticas naturais do serviço policial. As instalações
físicas de muitas das delegacias são semelhantes às construções de uma invasão.
As paredes são sujas, a pintura velha, o reboco caindo, goteiras no telhado. Há
em todos os locais objetos de apreensão, por falta de espaço adequado,
espalhados—jogados mesmo—de forma desordenada, misturados a inquéritos policiais,
provas colhidas, maquinário velho e obsoleto.
Nos distritos policiais há vários instrumentos apreendidos (as
chamadas máquinas caça-níquel, peças de veículos, pneus, até produtos
alimentícios) ao relento, sob sol e chuva, com insetos e ratos ao redor. Um
horror. O receio de contágio de doenças, como dengue, foi manifestado em diversas
situações por policiais.
Muitos deles confidenciaram -me a vergonha e desprezo
sentidos por estarem trabalhando naquele local esquecido pelas autoridades
competentes.
Em um dos distritos que visitei um funcionário, ao ser por
mim cumprimentado, começou a chorar. Perguntei a razão. Com muito medo de
repreensão ele me disse, acanhado, que aquilo era “uma máquina de fazer loucos,
senhor juiz”. Compreendi a razão da fala. Não bastasse tudo isto, a remuneração
está totalmente defasada. Outras unidades da federação pagam até o dobro para
policiais em início de carreira.
Investigar crimes? Não há como, declararam incontáveis policiais.
Eu tinha ciência sobre a grave situação da Polícia Civil, mas
ainda não tinha visto tão de perto, com meus próprios olhos, o caos atual.
Neste passo, como forma de tentar minimizar a situação caótica, é absolutamente
necessário empregar todos os esforços para instalação da 2ª Delegacia Seccional
de Polícia na zona Oeste da cidade. Ora, o Estado de São Paulo é o mais rico da
federação.
Sua Polícia Civil umas das mais abandonadas e esquecidas,
embora haja inúmeros excelentes policiais em seus quadros. Paradoxalmente, a
cobrança por segurança é frequente pela sociedade em dias de escalada de
violência.
O problema não é de administração. É de governo. Enquanto não
se quiser promover um real e concreto resgate da Polícia Civil do Estado de São
Paulo faremos de conta que temos polícia. A população, como sempre, pagará um
preço caro.
Nelson Augusto Bernardes é juiz de
Direito Titular da 3ª Vara Criminal de
Campinas
e juiz corregedor da Polícia Civil
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