CLÁUSULA PÉTREA E A
PEC 171
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Carlos Alberto Marchi
de Queiroz*
A aprovação, pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, da admissibilidade de
proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende reduzir a maioridade penal
provoca divergências entre parlamentares, juristas e cidadãos.
A PEC, que objetiva alterar a
faixa etária de responsabilidade penal, de 18 para 16 anos, segue para uma
comissão especial.
A PEC 171/93, originalmente
apresentada pelo deputado Benedito Domingos (PP-DF), provoca debates entre cultores do Direito, que divergem sobre o tema.
O professor André Ramos Tavares,
da Faculdade de Direito da PUC-SP, citando o artigo 228 da Constituição
Federal, sustenta que a maioridade penal aos 18 anos é cláusula pétrea, que não
comporta alteração.
O ministro Marco Aurélio Mello,
do STF, conhecido entre seus pares pelo apelido de “Voto Vencido”, discorda da
redução, mesmo porque “cadeia não conserta ninguém”. Ao mesmo tempo, afirma que
a PEC é inconstitucional, uma vez que a idade penal não é cláusula pétrea,
podendo ser modificada por emenda.
O ex-presidente do STF, advogado
Carlos Velloso, acredita que” a redução da maioridade penal irá inibir jovens e
criminosos”. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), revela que a
proposta é inconstitucional podendo aumentar os índices de criminalidade.
A esta altura do campeonato, o
amável leitor quererá saber de onde vem essa história de cláusula pétrea.
O decálogo mosaico é o exemplo
clássico de um conjunto de regras divinas entregues a Moisés que, após subir o
Monte Sinai, recebeu de Deus as Tábuas da Lei. Os Dez Mandamentos. insculpidos
em placas de pedra, foram talhados para serem respeitados, conforme reza o Capítulo
20 do Livro do Êxodo. Nele se lê que “o
escravo não pode servir ao Senhor; somente aquele que é dono do seu tempo e de
suas ações é capaz de servir ao Senhor”.
Cláusulas pétreas, excetuando-se a narração
bíblica, podem ser vistas no Museu do Louvre, em Paris. O Código de Hamurabi,
uma consolidação de leis mesopotâmicas, insculpido numa rocha de diorito, por
volta de 1.700 a.C., ainda inspira
normas dos países ocidentais. Esse código pode ser visitado em exposição
permanente.
Cláusulas pétreas constituem um
eufemismo utilizado pelos juristas para designar, modernamente, normas
constitucionais que não podem sofrer alteração por emenda constitucional. No
Brasil são cláusulas pétreas a forma federativa do Estado, o voto direto,
secreto, universal e periódico bem como a separação de poderes entre o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário, imorredoura lição de Montesquieu.
Identicamente, os direitos e
garantias individuais elencados pelo artigo 5º da Lei Maior em seus 78 incisos.
São, pois, normas constitucionais imiscíveis, ou imexíveis, como disse, certa
feita, polêmico ministro de Estado. São as supremacy clauses, as guarantees de
Abraham Lincoln, oriundas do direito constitucional norte-americano. Toda
legislação brasileira, restante, pode ser modificada, inclusive o ECA.
A crescente onda de criminalidade
que assola o País, desde antes da promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, em 13 de julho de 1990, fez com que a Câmara dos Deputados,
objetivando desviar a atenção pública do escândalo da Petrobras, exumasse a PEC
171/93. Numa manobra diversionista, seus promotores objetivam reduzir a
maioridade penal, tema que encanta a maioria da sofrida e alienada população,
como se fosse uma divina pomada.
O dissenso doutrinário é, na
verdade, produto do fracasso das políticas públicas de ressocialização dos adolescentes
infratores através das unidades da Fundação Casa. Diante de uma eventual
aprovação da PEC 171/93, esses miseráveis serão absorvidos pelo falido sistema
penitenciário, batizado pelo professor Noé Azevedo, na abertura do curso de
bacharelado da Faculdade de Direito de São Paulo,em fevereiro de 1943, como “a
universidade do crime”.
A maioridade
penal não é cláusula pétrea, posto que também prevista pelo Código Penal e pelo
ECA. Caso fosse, equivaleria a condenar futuras gerações de brasileiros a
tolerar experiências de gerações mortas que vivenciaram realidades diferentes.
A classe política parece ignorar que menos de 0,5% dos crimes perpetrados no
País são de responsabilidade de adolescentes. Estes, por seu turno, constituem
mais da metade do número de vítimas dos mais de 50.000 homicídios registrados
anualmente no Brasil. Ainda não chegou a hora de diminuirmos o limite de 18
para 16 anos, que, certamente, acontecerá, no futuro. O ECA continua fracassando,
por falta de logística. A PEC 171/93 não passa de um estelionato legislativo.
O sistema
prisional não tem vagas para receber adolescentes. Admitidos, os mais fortes vão tornar-se
discípulos do crime. Os mais fracos,
pasto de criminosos.
*Carlos
Alberto Marchi de Queiroz é mestre em Direito Penal