quarta-feira, 15 de julho de 2015

A BANALIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS


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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*

Li, estarrecido, no Correio Popular, de 26 de junho, A2, que um morador de Sumaré ajuizou pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente Lula, no intuito de protegê-lo contra eventual ordem de prisão decorrente das investigações da Operação Lava Jato.
Felizmente o writ, que apontava o juiz Sergio Moro como autoridade coatora, foi negado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
A ação constitucional de habeas corpus objetiva garantir a liberdade de alguém sempre que sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, nos exatos termos da redação do inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal.
Muito embora presente no ordenamento jurídico desde o Império, não constitui criação nacional, ao contrário do mandado de segurança, tão brasileiro quanto a jabuticaba.
O habeas corpus foi um dos vários benefícios decorrentes da promulgação da Magna Carta, em 15 de junho de 1215, ocasião em que os barões ingleses, nos campos de Runnymeade, obrigaram o rei John Lackland, ou João Sem Terra, a firmar o documento, matriz das constituições dos países democráticos.
O modelo brasileiro permite que qualquer pessoa, em primeira instância, sem auxílio de advogado, ajuíze a medida, como fez o rábula de Sumaré, rotulado pela mídia como Sherlock Holmes, que se orgulha de haver libertado traficante perigoso, culpadíssimo, só para se “vingar de um juiz”.
O processo penal admite dois tipos de habeas corpus: o preventivo, como o utilizado pelo se dizente consultor para, supostamente, proteger Luiz Inácio Lula da Silva, e o liberatório, que dispensa comentários.
A impetração do remédio heroico, tido por alguns como recurso e não como ação, não exige  requerimento específico: o informalismo constitui a tônica da petição, que escapa às rotinas   forenses.
A história do habeas corpus no Brasil registra episódios curiosos. A literatura jurídica compila pedidos feitos por telegrama, por teletipo, por fax, e agora por e mail, assinados pelos interessados, independentemente de assistência legal. Casos houve em que as impetrações foram feitas sobre a palmilha de um chinelo ou sobre o fundo de um prato de alumínio, com uma simples mensagem: Senhor juiz, estou preso injustamente!!!
O habeas corpus, cujo nome deriva da expressão latina “habeas corpus subjiciendum”, i.e., “apresente-se a pessoa do acusado perante o tribunal”, registra dois casos interessantes, a partir de 2014: impetrações tendo como suportes um lençol e um rolo de papel higiênico. A impetração com papel higiênico, enviada pelo correio, foi fotografada, digitalizada e autuada na corte para apreciação judicial. Atualmente, o lençol e o papel higiênico fazem parte do Museu do STJ.
Nesse contexto, mais duas impetrações merecem lembrança. Ambas aconteceram na região meridional do Brasil: o caso do habeas carrus e o caso do habeas plumbum.
O habeas carrus, o HC do automóvel, foi impetrado por advogado para liberar veículo apreendido pela polícia. O habeas plumbum, o HC do colete de chumbo, foi impetrado por criminalista a fim de impedir que seu cliente, traficante de drogas, que engolira a prova do crime, tivesse seu corpo devassado através de exame de raios X, pedido pelo delegado.
No caso sumareense, cuja petição, considerou Sergio Moro “moralmente deficiente”, “hitleriano” e de ter” fraudado a sentença de Nestor Cerveró”, sobrarão estilhaços penais, uma vez que o Lanterna Verde não conta com a proteção conferida pela lei penal aos advogados em relação a crimes de injúria e de difamação, ocorridos em juízo, na discussão da causa, conforme previsão contida no artigo 142, inciso I, do Código Penal. Talvez, brevemente, alguém impetre um HC por sua conduta.
Caso o amável leitor deseje impetrar um HC, sugiro consultar, sempre, um advogado, antes de tentar obtê-lo, sob pena de  responsabilidade.
O saudoso doutor Flávio Augusto Paulino, um dos maiores criminalistas de Campinas, recomendava que o habeas corpus  deveria ser utilizado apenas em casos extremos, com  redobrada cautela, posto que sua denegação equivaleria a uma espécie de pré-julgamento, colocando o paciente  perto da condenação.
O Super Homem de Sumaré, à revelia de Lula, ao invés de ajudar, complica a posição do paciente. Preocupado com tamanha insânia, o ex-presidente teria cogitado, com o auxílio de  advogados, atravessar uma petição na barafunda, objetivando neutralizar os efeitos deletérios da presepada.
Após a promoção do cômico habeas carrus e do criativo habeas plumbum, o cenário forense  parece tornar-se palco perigoso de  nova modalidade do remédio heroico: o habeas burrus.


*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito

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