DIREITO PENAL
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Carlos Alberto Marchi
de Queiroz*
Notícia publicada pelo Correio Popular, de 8/1, A10, desperta
em mim vontade escrever sobre um fato de raro registro nos pretórios policiais,
judiciais e pelo Direito Penal.
O jornal estampa, discretamente,
que um ex-secretário municipal, de importante cidade, conhecida no passado como
Manchester paulista, foi preso em flagrante no Aeroporto de Viracopos indiciado
por furto simples ao achar um envelope contendo US$ 1.000 e um green card,
importante documento nos Estados Unidos.
Após encontrar as coisas, o
inventor, ou achador, entregou apenas o documento no check-in da companhia
aérea, retendo o numerário. O dono, por sua vez, procurou a delegacia para registrar
a perda em boletim de ocorrência não criminal, objetivando resguardar direitos.
Investigadores, examinando imagens do circuito
interno de televisão, recuperaram cenas de um suspeito que, revistado, foi
surpreendido com as verdinhas, aninhadas na carteira, prestes a embarcar com familiares
rumo ao mundo maravilhoso de Disney, em Orlando.
Levado aos costumes, o indigitado
viajor foi autuado em flagrante por crime de furto simples, com direito a
fiança criminal. O ex-secretário de Gestão de Pessoas e de Comunicação, após
prestar caução, foi posto em liberdade.
Agora vamos enfrentar a pergunta
que não quer calar: houve furto? A resposta demanda uma viagem ao passado do
Direito Penal, em cujos primórdios crime era tudo aquilo que desse na telha
daqueles que estivessem no topo da pirâmide social: o príncipe (principal
servidor), o imperador, o rei, o czar, o duque, o caudilho, o cacique.
À medida que a aventura do homem
sobre a face da Terra adquiriu contornos mais nítidos, legislações começaram a
aparecer, como a Lei das Doze Tábuas e o Código de Hamurabi, hoje exposto no
Louvre, em Paris, talvez inspiração do Contrato Social de Jean-Jacques
Rousseau.
Aos poucos, os crimes foram sendo registrados
pelas codificações dos países, sem qualquer técnica jurídica. Portugal, de onde remontam nossas tradições
legislativas, editou os Forais e, sucessivamente, as Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas, revogada expressamente no Brasil pelo Código Civil de
1916.
Até 1813, no Ocidente, crime era
tudo aquilo que estava no sentimento dos governantes, até que Anselmo Von
Feuerbach, autor do Código Penal da Baviera, nele implantou a Teoria do Tipo
(Tatbestand), estabelecendo que crime é somente o que está previsto,
tipificado, em lei. Tudo que ficar fora do tipo é atípico!!! Vale o que está
escrito!!!
A Teoria do Tipo, ou da
Tipicidade, estabelece que crimes são modelos, pinturas, moldes,recortes, fôrmas,
tipos pré-estabelecidos pelo legislador.
Sua infringência por pessoas penalmente responsáveis permite o Estado-juiz
a julgá-las.
No episódio noticiado por este
prestigioso veículo midiático inocorreu consumação de um tipo penal, mas, tampouco,
houve crime de furto simples, afiançável, mesmo considerando-se a conduta imoral do viageiro.
Equivocou-se a autoridade policial presidente do flagrante, que optou por
registrar o condenável comportamento em auto, impróprio, que, mesmo assim,
chegará ao conhecimento do Poder Judiciário. Afinal, quem sentencia é o juiz e
não o delegado.
O Código Penal, na cabeça do artigo
155, preceitua que subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel constitui
crime de furto, apenado com reclusão, de 1 a 4 anos, e multa. O encontro de um
envelope, com documento e dinheiro, não é conduta que se ajusta ao tipo 155! O
autor não se aproximou da vítima, nem de sua casa, para afaná-la.
Crime houve, porém na conduta
prevista no artigo 169, II, do Código Penal, identificado por ementa lateral
como apropriação de coisa achada, apenado com detenção de 1 a 3 meses, e multa.
Este delito, sim, amolda-se, ajusta-se como uma luva à linguagem corporal,
imoral, do indigitado turista nacional que agasalhou os mil dólares..
A prisão foi excessiva. Nesses
casos, o achador tem prazo legal de 15
dias para encontrar o dono da coisa achada... Só depois é que o crime se
consuma ... Está na lei...
O povo costuma dizer,
equivocadamente, que achado não é roubado, mas achar é crime. Todo aquele que
fica com coisa perdida, decorridos 15 dias, pode ser detido e qualificado em
termo circunstanciado face à natureza permanente do crime. Mas fiquem
tranquilos os amáveis leitores. Haverá
processo neste curioso caso. O envolvido
poderá ser condenado ou absolvido. A Justiça é cega. Ele não deverá alegar que
sua conduta constitui fato atípico. Cometeu infração penal de pequeno potencial
ofensivo. Foi pego com a boca na botija. Por ela responderá no Juizado Especial
Criminal. Gastará com advogado...
Vale lembrar, neste drama, as
palavras do jurista italiano Francesco Carnelutti. Ele escreveu que “em nove de
cada dez vezes, a pena jamais termina. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa,
o homem não!”
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.