Fonte da imagem: Memórias da Polícia Civil de São Paulo
Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
Claudinê Pascoetto, delegado ímpar
da Polícia Civil, da segunda metade do século 20, faleceu em Campinas, no dia
15 de julho de 2017. Estava com 74 anos.
No círculo exclusivo das
autoridades e agentes que combatem o crime e a contravenção, doutor Pascoetto
foi figura reverenciada. Identicamente, como professor de Direito Constitucional. Aconselhava pares, comandados e alunos a
respeitar os Direitos Humanos.
Campineiro da Vila Industrial,
nascido em 9 de outubro de 1942, o libriano Claudinê era filho de humilde
ferroviário da Companhia Mogiana. Sua mãe era de prendas domésticas. Após
concluir o primário, no bairro, estudou no Colégio Estadual Culto à Ciência,
onde destacou-se em atividades literárias de Português e de Francês. Ingressou na
Faculdade de Direito da então UCC, graduando-se, com distinção, em 1967. Pagou
o curso trabalhando como bancário. Advogou alguns meses, antes de prestar
concurso.
Como autoridade policial,
pontificou na defesa do Estado Democrático de Direito, mesmo policiando durante os Anos de Chumbo. Apesar
de não deixar obras publicadas, Pascoetto elaborou preciosos relatórios em
inquéritos instaurados para apurar infrações penais de ordem político-social,
peças preservadas no Arquivo Oficial do Estado, na Capital.
Iniciou a carreira na região de
São Carlos, em 1968. Em razão de seu saber jurídico, foi convocado para atuar
no Dops. Foi destacado para atuar na CEI - Comissão Especial de Investigações-
junto ao comando da 4ª Zona Aérea do
Ministério da Aeronáutica. Destacou-se
pelo respeito aos Direitos Humanos assessorando oficiais da FAB em IPMs instaurados contra opositores do regime
militar de 1964.
O Ato Institucional nº 5, de 13
de dezembro de 1968, não alterou a personalidade da elegantíssima autoridade. Continuou
a tratar amigos e opositores com respeito. Admirado pelas mulheres, causava uma
pontinha de inveja nos homens, que o apelidaram de Príncipe. Mantinha ótimo
relacionamento com a imprensa, especialmente com Celso Afonso, Gonçalo
Gonçalves e Antonio Erbolato.
Em razão de sua finíssima
educação, tornou-se o primeiro titular da delegacia de Viracopos, onde grangeou
amigos, permanecendo no comando por mais de uma década. Transferido para o
Aeroporto de Congonhas, tornou-se, logo após, o primeiro titular da Delegacia
do Turismo, na Avenida São Luiz, em São Paulo. Era fluentíssimo em inglês,
francês e italiano.
Por ocasião da chegada ao Brasil
de Américo Thomaz e Marcello Caetano, presidente e primeiro ministro de
Portugal, depostos pela Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974, Pascoetto foi a primeira autoridade a
ingressar na aeronave da TAP, em Viracopos, assegurando-lhes o direito de asilo
concedido pelo Brasil. Testemunhei, a poucos metros, o momento histórico.
Foi excelente professor de Direito
Constitucional . Tinha grande facilidade de expressar-se por palavras e por
escrito. Haroldo Ferreira, antigo diretor da Academia de Polícia, onde Pascoetto
lecionou Direito Constitucional, desde 1991, para as carreiras policiais,
considerava-o um excelente professor. “Ele era um docente que cativava os
alunos, pelo profissionalismo e pela clareza.”
Entre centenas de casos
importantes solucionados, destacou-se pela prisão do mais poderoso bicheiro do
Brasil, Castor de Andrade, no Salão do Automóvel, no Parque do Anhembi, no dia 26 de
outubro de 1994. O rei da contravenção, de peruca e bigode, negros, com mandado
de prisão em aberto, ousou sair do Rio de Janeiro viajando para São Paulo. Acabou algemado por Pascoetto.
Dedicou-se, por mais de 20 anos, ao ensino do
Direito Constitucional na Faculdade de Direito da PUC-Campinas. Tinha mestrado
pela USP. Na época, foi orientado pelo professor Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, ex- vice governador, de quem tornou-se amigo pessoal.
O senador José Serra, em seu
livro Cinquenta anos esta noite,
Record, 1ª edição, 2014, página 248, traça breve perfil de Claudinê, que o
interrogou, cavalheirescamente, por mais de oito horas, nas dependências do
Aeroporto de Viracopos, quando de sua volta do exílio, em 18 de maio de 1977.
Doutor Pascoetto encerrou sua
brilhante carreira como diretor do Deinter-1, de São José dos Campos, em 2012,
integrando o Conselho da Polícia Civil. Antes, foi delegado secional de polícia
da Zona Norte, em São Paulo, e diretor da Divisão de Material. Modernizou
unidades policiais, armamentos, comunicações e veículos. Estudou combate ao narcotráfico na Polícia
Nacional do Japão. Sempre foi promovido por merecimento.
Foi casado com a delegada de
polícia Delma Pascoetto. Deixou um casal de filhos, Luiz Gustavo e Cláudia
Helena, ambos delegados. Tocava saxofone. Nos últimos tempos atuava como
advogado voluntário da Feac, de Campinas. Convenceu-me a ser delegado. Estava
rascunhando um livro de memórias quando foi surpreendido pelas Parcas.
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.
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