doping
fonte da imagem: internet
Carlos Alberto Marchi
de Queiroz*
O Correio Popular, de 21/12, A18, e de 31/12, A21, noticiou que a
Fifa reduziu a pena de suspensão preventiva, de um ano, imposta ao atacante
peruano Paolo Guerrero, acatando razões
do doutor Pedro Fida, advogado brasileiro. O brilhante causídico valeu-se de estudos
realizados por universidades em três
múmias incaicas, encontradas em 1999, na Cordilheira dos Andes, no topo do
vulcão Llullaillaco, na Argentina.
Trata-se dos restos mortais de uma adolescente de 13 anos, apelidada de “A
Donzela” pelos pesquisadores, de uma menina de quatro e de um menino de cinco,
que embasaram inédita investigação arqueológica.
Desde a aplicação da punição ao
ex-jogador do Corinthians, hoje no Flamengo, após o empate entre Argentina e Peru,
em Buenos Aires, em 5 de outubro de 2017, pelas Eliminatórias Sul-Americanas
para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia, sob a acusação de haver usado
benzoilecgonina, um metabólito comum à cocaína e à folha de coca, convenci-me,
sem pestanejar, da inocência do craque.
Amigos sabem que sou corintiano e
flamenguista, além de pontepretano. Podem até dizer que, escrevendo este
artigo, quero ser mais realista do que o próprio rei, atropelando sérios
estudos científicos realizados por universidades britânica, peruana,
dinamarquesa e argentina, em 2013, utilizados pelo doutor Fida para mitigar,
com brilhantismo, a pena, para seis meses, permitindo que o atleta dispute a
Copa pela seleção de seu país.
Na verdade, meu comprometimento
maior é com o Peru, que visitei primeiramente em 1972, e não com o Corinthians
ou Flamengo. Quis o Destino que eu
viesse a tornar-me pai, orgulhoso, de um casal de filhos brasileiro-peruanos,
peruleiros, que obrigaram-me a conhecer,
profundamente, o antigo Império dos Incas, durante mais de vinte viagens, de
cunho familiar, à terra de Mama Pacha e de Manco Capac.
O Peru, dentre múltiplos aspectos
sociológicos, que este curto espaço de jornal não permite analisar, autoriza
sua população a consumir, sem qualquer proibição penal, o tradicional chá de folha de
coca, conhecido como mate de coca ou “té
de coca”, livremente comercializado em farmácias, drogarias e feiras livres.
Trata-se de chá feito à base de
folhas secas de erythroxylum coca, insumo principal na elaboração da pasta
básica, preparada com folhas e cal, utilizada no refino da cocaína. O mate de
coca é, portanto, um chá peruano, legítimo, tomado sempre como medicamento, ou
como digestivo. É utilizado para descongestionar brônquios. Enfim, um milenar remédio
incaico, eficaz no combate à bronquite e outras doenças.
Em julho de 1993, Zetti, goleiro da
seleção brasileira, após exame antidoping em La Paz, durante fase das
Eliminatórias da Copa do Mundo, foi flagrado em situação semelhante à de Paolo,
após consumir, num hotel boliviano, o mate de coca. O caso comoveu o mundo
esportivo, na época. O arqueiro foi absolvido pela Fifa.
O advogado de Guerrero provou,
auxiliado por um arqueólogo e pelas três múmias, que a substância encontrada na
urina do atleta pode permanecer, por séculos, no organismo humano. A propósito,
os jurisperitos encontraram nos fios de cabelos negros da “Donzela” importante quantidade de benzoilecgonina, a substância
achada no material fornecido para exame antidoping, na Argentina.
O Correio Popular, de 31 de dezembro, revela, ainda, que folhas de
coca foram encontradas entre os dentes da múmia adolescente. Ela teria sido
obrigada a consumi-las antes de ser sacrificada, o que não corresponde à
realidade, uma vez que ainda é costume, entre os descendentes dos incas, mascar
folhas de coca, misturadas com cal virgem, numa espécie de chiclete, que lhes
dá vigor para caminhar pelas vastas e desérticas altitudes peruanas, além de combater a
fome.
A propósito, gostaria de lembrar
ao amável leitor episódio ocorrido com minha filha Isadora, advogada
trabalhista em Campinas, em fevereiro de 1989, ao visitarmos Cuzco, antes de
chegarmos a Macchu Picchu. Ao sair do Hotel de Turistas, Isadora sentiu-se mal,
vitimada pelo “soroche”, ou mal das alturas. Orientados por moradores, entramos
rapidamente numa padaria onde ela, após sorver uma fumegante e doce xícara de
mate de coca, restabeleceu-se prontamente.
Paolo Guerrero deve ter consumido
xícaras e xícaras de mate de coca durante sua vida. Continua vítima de má
interpretação sociológica pela Fifa em relação à sua peruanidade. Merece ser
totalmente absolvido. Por último, um aviso.
Brasileiros que pretendam visitar o Peru podem comprar caixinhas com sachês
de mate de coca, à vontade. Mas não as tragam para o Brasil. Aqui a conduta é reprimida
penalmente. Não dá direito à alegação de erro, seja de tipo ou de proibição!!!
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de
Direito e membro da Academia Campinense de Letras
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