quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A inocência de Paolo Guerreiro

doping

fonte da imagem: internet


Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
O Correio Popular, de 21/12, A18, e de 31/12, A21, noticiou que a Fifa reduziu a pena de suspensão preventiva, de um ano, imposta ao atacante peruano Paolo Guerrero, acatando razões  do  doutor  Pedro Fida, advogado brasileiro.  O brilhante causídico valeu-se de estudos realizados por  universidades em três múmias incaicas, encontradas em 1999, na Cordilheira dos Andes, no topo do vulcão  Llullaillaco, na Argentina. Trata-se dos restos mortais de uma adolescente de 13 anos, apelidada de “A Donzela” pelos pesquisadores, de uma menina de quatro e de um menino de cinco, que embasaram inédita investigação arqueológica.
Desde a aplicação da punição ao ex-jogador do Corinthians, hoje no Flamengo, após o empate entre Argentina e Peru, em Buenos Aires, em 5 de outubro de 2017, pelas Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo de 2018, na Rússia, sob a acusação de haver usado benzoilecgonina, um metabólito comum à cocaína e à folha de coca, convenci-me, sem pestanejar, da inocência do craque.
Amigos sabem que sou corintiano e flamenguista, além de pontepretano. Podem até dizer que, escrevendo este artigo, quero ser mais realista do que o próprio rei, atropelando sérios estudos científicos realizados por universidades britânica, peruana, dinamarquesa e argentina, em 2013, utilizados pelo doutor Fida para mitigar, com brilhantismo, a pena, para seis meses, permitindo que o atleta dispute a Copa pela seleção de seu país.
Na verdade, meu comprometimento maior é com o Peru, que visitei primeiramente em 1972, e não com o Corinthians ou Flamengo.  Quis o Destino que eu viesse a tornar-me pai, orgulhoso, de um casal de filhos brasileiro-peruanos, peruleiros,  que obrigaram-me a conhecer, profundamente, o antigo Império dos Incas, durante mais de vinte viagens, de cunho familiar, à terra de Mama Pacha e de Manco Capac.
O Peru, dentre múltiplos aspectos sociológicos, que este curto espaço de jornal não permite analisar, autoriza sua população a consumir, sem qualquer  proibição penal, o tradicional chá de folha de coca, conhecido como mate de coca  ou “té de coca”, livremente comercializado em  farmácias, drogarias e feiras livres.
Trata-se de chá feito à base de folhas secas de erythroxylum coca, insumo principal na elaboração da pasta básica, preparada com folhas e cal, utilizada no refino da cocaína. O mate de coca é, portanto, um chá peruano, legítimo, tomado sempre como medicamento, ou como digestivo. É utilizado para descongestionar brônquios. Enfim, um milenar remédio incaico, eficaz no combate à bronquite e outras doenças.
Em julho de 1993, Zetti, goleiro da seleção brasileira, após exame antidoping em La Paz, durante fase das Eliminatórias da Copa do Mundo, foi flagrado em situação semelhante à de Paolo, após consumir, num hotel boliviano, o mate de coca. O caso comoveu o mundo esportivo, na época. O arqueiro foi absolvido pela Fifa.
O advogado de Guerrero provou, auxiliado por um arqueólogo e pelas três múmias, que a substância encontrada na urina do atleta pode permanecer, por séculos, no organismo humano. A propósito, os jurisperitos encontraram nos fios de cabelos negros da “Donzela”  importante quantidade de benzoilecgonina, a substância achada no material fornecido  para  exame antidoping, na Argentina.
O Correio Popular, de 31 de dezembro, revela, ainda, que folhas de coca foram encontradas entre os dentes da múmia adolescente. Ela teria sido obrigada a consumi-las antes de ser sacrificada, o que não corresponde à realidade, uma vez que ainda é costume, entre os descendentes dos incas, mascar folhas de coca, misturadas com cal virgem, numa espécie de chiclete, que lhes dá vigor para caminhar pelas vastas e desérticas altitudes peruanas, além de  combater a  fome.
A propósito, gostaria de lembrar ao amável leitor episódio ocorrido com minha filha Isadora, advogada trabalhista em Campinas, em fevereiro de 1989, ao visitarmos Cuzco, antes de chegarmos a Macchu Picchu. Ao sair do Hotel de Turistas, Isadora sentiu-se mal, vitimada pelo “soroche”, ou mal das alturas. Orientados por moradores, entramos rapidamente numa padaria onde ela, após sorver uma fumegante e doce xícara de mate de coca, restabeleceu-se prontamente.
Paolo Guerrero deve ter consumido xícaras e xícaras de mate de coca durante sua vida. Continua vítima de má interpretação sociológica pela Fifa em relação à sua peruanidade. Merece ser totalmente absolvido. Por último, um aviso.  Brasileiros que pretendam visitar o Peru podem comprar caixinhas com sachês de mate de coca, à vontade. Mas não as tragam para o Brasil. Aqui a conduta é reprimida penalmente. Não dá direito à alegação de erro, seja de tipo ou de proibição!!!
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras

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