Imagem: Internet |
Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
O Correio Popular de 15/6, A13, noticiou que o Supremo Tribunal
Federal proibiu a condução coercitiva de investigados para interrogatório. A Suprema Corte, por maioria de votos, negou
vigência ao artigo 260 do Código de Processo Penal, entulho autoritário existente
desde 1940. Adverte que agentes públicos
que descumprirem a decisão serão responsabilizados disciplinar, civil e penalmente.
O procedimento era realizado, com frequência, em investigações conduzidas pela
Polícia Federal.
A condução coercitiva do
ex-presidente Lula, sem que houvesse recusa prévia, inspirou o Conselho Federal da OAB e o PT a proporem
ações junto ao Supremo para extinguir a medida. Agora, a questão está resolvida
na PF e nas Polícias Civis estaduais. Magistrados
agora não podem determinar a condução coercitiva de investigados às delegacias.
Tampouco, delegados de polícia. Sejam eles ex-presidentes ou simples cidadãos.
No âmbito da Polícia Civil do Estado
de São Paulo, autoridades policiais, os delegados de polícia, tinham, até a recente decisão, a prerrogativa de trazer à sua
presença, independentemente de ordem judicial, os principais atores do inquérito
policial: indiciados, vítimas, testemunhas e peritos. Agora os delegados não podem mais
determinar que pessoas sejam conduzidas à sua presença para prestar esclarecimentos ou
depoimentos, sob pena de
cometerem crime de abuso de autoridade. Elas só deverão comparecer quando previamente
notificadas, com todas as garantias constitucionais.
Desde a criação do inquérito, em 1841,
por Dom Pedro II, depois chamado de inquérito policial, em 1871, as Polícias Civis
e seus delegados vêm perdendo, gradativamente, muitas prerrogativas autoritárias que tornavam mais
eficaz sua atuação. Eram medidas impostas pelo imperador, por ocasião do
Combate da Venda Grande, em Campinas, e, depois, pelo Estado ditatorial de
Getúlio Vargas, que precisava da Polícia para manter-se no poder.
Começaram perdendo a sentença de
pronúncia, em 1871. Em 1988, perderam a prisão correcional, por 3 (três) dias e
o mandado de busca domiciliar. Anos
antes, perderam o processo sumário das
contravenções e o processo dos crimes do automóvel. Em 28 de março de 1994, perderam a liberação
dos locais de crimes, agora alçada exclusiva
dos peritos, conforme lei sancionada pelo presidente Itamar Franco.
Enfim, os delegados não podem mais determinar, sem previa
intimação, que investigadores conduzam à sua presença, suspeitos da prática de
infrações penais, determinando aos carcereiros suas recolhas “aos costumes”, como
aquele delegado representado por Jô Soares,
em inesquecível bordão televisivo. Sempre houve abusos recorrentes na
utilização desse recurso legal.
Meses atrás, escrevi, neste jornal, artigo intitulado “A agonia do inquérito
policial” provocando inconformismo nas autoridades policiais e
agentes, ao denunciar falhas técnicas provocadas pelo governo
estadual, inclusive baixo rendimento procedimental em termos de condenação dos
investigados, aliados ao excesso de serviço suportado por escrivães, solitária e individualmente responsáveis, em média, pelo andamento de 600 inquéritos policiais. Talvez agora, com a
recente adoção do inquérito policial
eletrônico as coisas mudem de figura.
Não fossem aquelas apontadas perdas bastantes, a Lei nº 9.099/95, ao implantar os juizados especiais criminais,
retirou dos delegados a possibilidade de
investigarem mais da metade dos crimes tipificados pela legislação, cuja pena
máxima não ultrapasse dois anos.
A Polícia Civil bandeirante, cujo organograma, desde o fim do
século passado, prevê 44.000 cargos para
autoridades policiais e agentes, mas que conta, hoje, com 1/3 de quadros vagos, não pode, em razão dos baixos salários pagos aos seus
integrantes, totalmente desassistidos de recursos materiais e humanos, apresentar
os mesmos sucessos das polícias de primeiro mundo.
Paralelamente, após a promulgação da
Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, o Ministério Público Federal e
os estaduais, também, passaram a realizar investigações sobre crimes de grande
potencial ofensivo, através de procedimentos de investigação criminal, os PIC’s,
convalidados pelo STF, em detrimento do ultrapassado inquérito policial, ainda
que eletrônico.
A decisão do STF acaba, definitivamente,
com a prisão instantânea, fonte de frequentes extorsões por parte de pouquíssimos
policiais corruptos, que aproveitavam-se da medida para achacar conduzidos
debaixo de vara. Agora, as coisas mudaram. Mais uma vez, a democracia prevalece
sobre a ditadura Vargas. Autoridades policiais e agentes reclamam do STF. Paciência. Se quiserem encarcerar suspeitos não poderão
pedir, singelamente, que as pessoas os acompanhem. Deverão postular, em juízo, decretos de prisões temporárias ou preventivas. A prisão instantânea, no dizer do ministro
Ricardo Lewandovski, terminou de vez. Caberá às Academias de Polícia reciclar
seus ex-alunos. Doravante, as polícias judiciárias vão ter que investigar mais para
prender e não mais prender para investigar.
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz,
professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui sua opinião, crítica ou sugestão.