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Carlos Alberto Marchi
de Queiroz*
“O mundo é mágico. As pessoas não
morrem, ficam encantadas” é famosa frase de João Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas”. A doutora Tereza Nascimento Rocha Dóro nos deixou. Desnecessário reproduzir seu
exuberante currículo. Como reza o brocardo latino, “notoria non sunt probanda”.
Fatos notórios dispensam provas!
Li, com tristeza, a notícia de
sua passagem em tempo pascal, no Correio
Popular de 2/4,A 10, que descreveu
sua vida particular e pública. Dela pincei discreta referência sobre sua passagem
pela Polícia Civil como “delegada de polícia por um ano”, contorno pouco sabido.
Graduada em Direito pela PUC-
Campinas, em 1974, Tereza, no ano seguinte, inscreveu-se para o concurso de
provas e títulos para ingresso na carreira de delegado de polícia instaurado em
1975. O polêmico secretário da Segurança Pública, coronel Antonio Erasmo Dias,
convencera o governador Paulo Egydio Martins que a Polícia Civil precisava
admitir 600 delegados para preencher claros, que, curiosamente, ainda existem!!!
Tereza apresentou-se no concurso
DP 1/76 concorrendo às 280 vagas iniciais. As 320 restantes seriam alocadas nos
DP 2/76 e DP 3/76. Eu também me inscrevi
no certame, aberto para os fortes que trazem o Direito Penal na alma. Delegados
de polícia operam, com exclusividade, no campo penal, ao contrário de juízes e
promotores que, ajustam-se aos ramos da árvore do Direito.
Conheci Teresa, de vista, nos corredores do
Palácio da Justiça, pois quando se iniciava no Direito Penal eu já caminhava,
na mesma senda, desde 1969, fazendo defesas no Tribunal do Júri. Nunca nos
falamos. Os tempos eram difíceis. Os criminalistas famosos de Campinas, à
época, Álvaro Cury, Ralph Tórtima Stettinger, Flávio Augusto Paulino e José
Yahn Ferreira não abriam espaço para a jovem concorrência.
Inscrevi-me no DP1/76 por paixão
à carreira, pelo amor ao Direito Penal, e por necessidade financeira, pois o segundo filho,
Carlos Alberto, estava a caminho e a advocacia criminal não rendia. Aprovados em prova escrita, com duração de
quatro horas, numa época que não se falava em testes objetivos, idiotas, de
múltipla escolha, Teresa e eu fomos matriculados no curso de formação em turmas
diferentes, organizadas por ordem alfabética. Ela caiu na classe de Rosmary
Corrêa, que, depois, tornar-se-ia a primeira Delegada da Mulher em São Paulo,
apresentadora de televisão e deputada estadual. Teresa e Rose viraram colegas.
Sempre, nos intervalos, eram vistas
juntas no saguão da Acadepol. Naquela época, a Polícia Civil contava com duas
delegadas, Ivanete Velloso e Glória Salaverry. Teresa e Rose estavam sendo treinadas
para serem a terceira e a quarta na carreira, em tempos de fortíssimo preconceito
contra mulheres que almejavam ser autoridades policiais.
Iniciado o rigoroso curso, em
abril de 1976, Tereza recebeu idêntico treinamento em Investigação Policial,
Inquérito Policial, Processo Contravencional, Armamento e Tiro, Primeiros
Socorros, Medicina Legal, Legislação de Trânsito, Criminalística, Polícia Política,
Policiamento Preventivo Especializado, Legislação Penal Especial,
Condicionamento Físico, Processo Administrativo Disciplinar, Telecomunicações,
Técnicas de Interrogatório e Defesa Pessoal. Durante três meses os
delegados-alunos, ao final de cada módulo, eram avaliados por escrito. Também eram conceituados, sigilosamente,
em relatórios individuais. Trazer tatuagem, que se tornaria moda no século
21, no corpo, não era proibido pelo edital.
Mas existia preconceito por parte da banca, do delegado geral Joaquim Humberto
de Moraes Novaes e do próprio coronel Erasmo, centauros da Polícia, metade
cavalos e a outra também... Na Academia de Polícia, no campus da USP, delegadas
eram proibidas de usar calças compridas!!!
Em meados de julho de 1976, os
delegados-alunos, nomeados para a segunda fase, foram encaminhados para a
terceira fase de exames orais de Direito Penal, Processual Penal,
Administrativo e Constitucional. Tereza foi arguida, também, sobre o Código Penal
de 1969, ainda em vacatio legis. Observou,
corajosamente, ao examinador Zahir Dornaika, presidente do concurso, que o
edital não mencionava o projeto de Nelson Hungria. Mesmo assim, aguerrida como sempre, respondeu,
com altivez e correção, as questões formuladas!!!
No final do mês, o nome de Tereza,
née Nascimento Rocha, não apareceu no decreto de efetivação firmado pelo
governador. A Polícia Civil, por preconceito, deixou de contar em seus quadros com
a mulher que poderia ter sido a primeira delegada de classe especial na história
da instituição. Mas ganharam, por tamanha injustiça, a advocacia criminal, a
OAB de Campinas, o ensino do Direito, lecionando, também, para Isadora, minha
filha.
Enfim, como disse Fernando
Pessoa, “a morte é a curva da estrada. Morrer é só não ser visto”.
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.
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