Processo Penal
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Carlos Alberto Marchi
de Queiroz*
Quem diria que um dia um
presidente da República Federativa do Brasil seria indiciado em inquérito
policial, intimado por telefone por uma escrivã de polícia, interrogado mediante
questionário, com direito a permanecer calado, passar à condição de réu em ação
penal, após relatado o procedimento, acusado de prática de corrupção passiva no
exercício do cargo em denúncia encaminhada
à Câmara Federal pela presidente do STF, e notificado formalmente da imputação
pelo presidente da Casa?
Nunca antes, na história deste
País, parafraseando famoso réu da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de
Curitiba, um ocupante da curul máxima do Poder Executivo, presidente da Terra Papagalorum , havia sido submetido
a uma rigorosa investigação, presidida pelo STF, auxiliado pela Polícia Federal,
e acompanhada por procuradores da República.
Ainda era garoto, de dez anos, matriculado no
quarto ano do curso primário, hoje quinta série do ensino fundamental, quando,
na manhã de 24 de agosto de 1954, o diretor do grupo escolar, em Araraquara,
entrou de supetão na sala de aula. Cochichou,
antes que nós ficássemos em pé, algo no ouvido da professorinha, saindo rapidamente.
A mestra, adolescente, dirigindo-se à classe, disse, com tristeza: “Vão todos
para casa. As aulas estão suspensas. O ’Bom Velhinho’ morreu. Até amanhã.”
Anos depois entendi as razões do
ato extremo do presidente Vargas, que, forçado a licenciar-se do cargo pelas
Forças Armadas, e na iminência de vir a ser indiciado em inquérito policial
militar, instaurado na Base Aérea do Galeão, para apurar a morte de um top gun
da FAB, deu um tiro de Colt, calibre 32, no peito, dentro do Palácio do Catete,
no Rio de Janeiro, Distrito Federal, então.
Dias antes, em 5 de agosto, o
major-aviador Rubens Florentino Vaz, herói nos céus da Itália, piloto dos mortíferos Thunderbolt,
P 47 D, do 1º Grupo de Aviação de Caça, o “Senta a Pua”, morrera num atentado
na Rua Tonelero, 180, em Copacabana, do qual saiu ferido, no pé, o jornalista
Carlos Lacerda. Foram emboscados por pistoleiros de aluguel, a serviço de
Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio. O suicídio comoveu a
Nação, tanto quanto a morte de Ayrton Senna, em 1º de maio de 1994.
O inquérito policial, criação
brasileira, é procedimento administrativo de natureza judiciária, presidido por
delegado de polícia, estadual ou federal, destinado a investigar a
materialidade e a autoria de crimes de médio ou grande potencial ofensivo, pois
infrações penais de bagatela são apuradas pelos Juizados Especiais Criminais,
desde 1999.
Poderoso instrumento de busca da verdade real,
existe desde 31 de janeiro de 1842, quando Dom Pedro II iniciava seu longo
reinado. Remodelado em 1871, ainda como lei especial, o inquérito policial foi
incorporado pelo Código de Processo Penal, de 7 de dezembro de 1940, do artigo
4º ao 23. Antes de 1842, a apuração
das infrações penais era feita exclusivamente por juízes criminais. Magistrados
presidiam devassas, de origem portuguesa, como a que indiciou Tiradentes. Porém, muito preocupados com o crescimento da
violência, os juízes criminais resolveram criar para si os delegados criminais,
hoje delegados de polícia. Também, o inquérito policial. Porém, reservaram para
si casos especialíssimos, envolvendo pessoas muito importantes, como Temer,
cujas investigações são presididas pelo ministro Luiz Edson Fachin, do STF,
auxiliado por delegados e agentes da Polícia Federal, acompanhadas por procuradores
da República coadjuvantes, nunca protagonistas da histórica apuração policial
judiciária.
O inquérito policial VIP, privilégio
cartorial que protege Michel Temer, calcado nos princípios “the king can do no
wrong”, “le roi ne peut mal faire”, e,
igualmente, no dogma bíblico “rex non potest peccare”, chegou ao Brasil com
Cabral, o das caravelas. Decorridos quinhentos anos, essa franquia poderá
continuar vigorando por muito tempo, caso não ocorra uma reforma constitucional
no sentido que acabar, de vez, com o imoral foro privilegiado, deixando os
processos criminais nas mãos exclusivas de juízes togados, à semelhança de
muitos países do hemisfério norte.
Todavia, a blindagem de foro não se esgota
aqui. Recebido o inquérito policial presidencial pelo ministro do STF, os autos
foram enviados ao Procurador-Geral da República. Rodrigo Janot, ofereceu
denúncia que, nos termos da cabeça do artigo 86 da Constituição Federal, poderá,
ou não, ser agora admitida pela Câmara Federal, cuja terça parte é investigada ou ré na Suprema Corte. Só depois o
STF, composto por ministros nomeados pela Presidência, poderá receber, ou
rejeitar, a inicial acusatória. Não se sabe, ainda, se haverá, ou não, ação
penal presidencial. O processo penal avançou muito pouco no Brasil. As
instituições continuam funcionando normalmente, dizem os políticos. Será?
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.
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