INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA
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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
O Correio Popular, de 29/3, A14, noticiou, após os tiros desfechados
contra a caravana de Lula, afirmação do ministro extraordinário da Segurança
Pública, Raul Jungmann, que revelou que “ a Polícia Federal não irá investigar
o caso dos tiros porque o crime não foi federal (sic) e cabe às autoridades
estaduais atuar”.
O Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, no mesmo dia, após
entrevistar o secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro,
general de brigada Richard Nunes, noticiou, equivocadamente, que aquela alta
autoridade encontrara indícios de crime político na morte da vereadora Marielle
Franco.
Durante um bom tempo, após a
morte do prefeito de Campinas Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, escreveu-se, à saciedade, que o alcaide havia
sido vítima de crime político, quando vítima de um crime comum, cujos suspeitos,
após o oferecimento da denúncia foram exculpados. Sua esposa, inclusive, durante muito tempo, tentou, sem sucesso, obter a federalização das
investigações baseada na tese de que seu marido havia sido vítima de um crime
político.
É de grande interesse, teórico e prático, informar
ao leitor que existe uma separação doutrinária entre crimes comuns e crimes
políticos, distinção muito antiga que tem se mantido através da passagem da
História. Doutrinadores encontraram
muitas dificuldades em chegar a um conceito uniforme do crime político.
O elemento predominante no seu
conceito é sempre o motivo político, envolvendo planos de reforma política ou
de revolução. Nesse particular, os doutrinadores entendem que os crimes
políticos podem ser de duas espécies. O primeiro é o crime político puro, de
caráter exclusivamente político. São crimes
de opinião. Por sua vez, crimes políticos relativos são condutas que ofendem, ao mesmo tempo, uma
situação política e um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal comum. É crime de opinião com desfecho sangrento.
A importância do conceito de
crime político puro transcende o Direito Penal comum e interno dos países
democráticos a tal ponto que a maioria dos tratados e pactos internacionais não
admite a extradição de criminosos políticos. Enfim, o crime político é um crime
de opinião, jamais um crime de sangue, consumado ou tentado.
A título de ilustração, foram criminosos
políticos no Brasil do século 20 o atual senador José Serra, o jornalista
Fernando Gabeira, Betinho, o irmão do Henfil, e o ex-presidente da República
Fernando Henrique Cardoso, que permaneceram exilados no Exterior até a
concessão da anistia pelo então presidente João Baptista de Oliveira
Figueiredo.
Ao afirmar que
os tiros disparados contra um dos três ônibus da caravana, no Paraná,”não serão
investigados pela Polícia Federal porque o crime não foi federal”, o ministro
confunde os brasileiros em geral, não acostumado ao juridiquês e a tecnicismos.
No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, não existem crimes federais,
estaduais e municipais no ordenamento jurídico. Por mais bizarro que possa
parecer ao amável leitor, todos os
crimes brasileiros são federais!!! Desde 1930, os Estados e o Distrito Federal
são proibidos de legislar em matéria penal, competência exclusiva da União, nos
termos do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal. Antes de 1930, todas as
unidades federativas podiam ter seus próprios códigos. Na época o País
chamava-se Estados Unidos do Brasil !!! Uma cópia da Constituição dos EUA de 1878, até hoje em
vigor, foi feita por Rui Barbosa.
A assertiva de Jungmann, ex- parlamentar federal, que deveria entender mais de processo
legislativo regular, e que pode gerar dúvidas na mente dos brasileiros,
provoca-nos o desejo de esclarecer ao paciente leitor que existe uma divisão de
trabalho entre a justiça comum federal e as justiças comuns estaduais.
A justiça comum federal julga crimes praticados em detrimento de bens,
serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas.
Desse contexto são excluídas as contravenções penais, sempre julgadas pela
justiça estadual, ainda que haja interesse da União, como prevê o artigo 109,
inciso IV, da Constituição Federal e da Súmula 381 do STF.
É por isso que a Polícia Federal,
e não a Polícia Civil de Campinas, está investigando o roubo de 5 milhões de dólares
acontecido dentro do Aeroporto
Internacional de Viracopos em passado recente. Caso seus autores sejam
descobertos, serão denunciados por procurador da República junto a uma das
varas federais de Campinas, competentes para o julgamento do surpreendente e
cinematográfico assalto. O incidente com Lula terá igual desfecho processual.
Trocando em miúdos, Jungmann quis dizer que esse caso não é atribuição da
Polícia Federal e, muito menos, da competência da Justiça Federal para
julgamento.
Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.
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