link da imagem: http://noticias.band.uol.com.br/cidades/rs/noticia/100000682797/Caso-Bernardo-conheca-detalhes-do-inquerito.html:
Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
O Correio Popular, de 24/4, A16, noticiou que, em Toronto, capital econômica do Canadá, uma van, um
dia antes, fora jogada contra pedestres. Dez pessoas morreram. Quinze ficaram feridas. Capturado
pela Polícia, o motorista, dois dias após, foi denunciado (indicted) pelo
Ministério Público, responsabilizando-o
pelos homicídios consumados e
tentados. Denúncia recebida, o processo caminha.
O Correio Popular, de 27/4, A12, noticiou a captura de assassino em
série, quarenta anos depois, pela Polícia de Sacramento, Califórnia. Joseph James DeAngelo, 72 anos, policial entre 1973 e 1979, em Auburn, bem pertinho, demitido da força por furto, teria cometido 12
homicídios, 45 estupros e 120 roubos residenciais.
No dia seguinte, este jornal
revelou que o homicida serial fora
denunciado (indicted), numa corte local, pela promotora Anne Marie
Schubert. Nos condados de Orange e Ventura, nas proximidades, outro district
attorney anunciou que pediria pena capital para o “Golden State Killer”. DeAngelo foi preso após investigações
policiais baseadas em técnicas de DNA aplicadas sobre material coletado nos
locais de crime.
Imagine o amável leitor, se ambos
casos fossem registrados, no Brasil, em boletins de ocorrência e apurados em obsoletos inquéritos policiais, consideradas
as distâncias que separam Toronto e Sacramento, supostamente localizadas em
nosso país-continente. O atento leitor pode imaginar o tempo que seria gasto para finalização desses inquéritos
e consequentes ações penais? Ambos durariam, pelo menos, 5 anos para
conclusão em primeira instância!!!
O ultrapassado inquérito policial
surgiu no Brasil em fins de 1841. Passou a ser utilizado em janeiro de 1842.
Procedimento presidido pelo delegado, foi empregado em Campinas em 1844 para
apurar, sem sucesso, a autoria da morte da mãe de Carlos
Gomes, assassinada defronte o Mercado Municipal. Antes, crimes e contravenções eram apurados pelas devassas, presididas por juízes criminais. Tiradentes é, até hoje, seu mais famoso indiciado.
Gomes, assassinada defronte o Mercado Municipal. Antes, crimes e contravenções eram apurados pelas devassas, presididas por juízes criminais. Tiradentes é, até hoje, seu mais famoso indiciado.
Em fins de 1841 a devassa virou inquérito e o
juiz criminal foi substituído pelo seu
delegado, com os escrivães que
magistrados tinham direito. Entre 1842 e 1871, o inquérito prestou relevantes
serviços à Justiça. Delegados pronunciavam envolvidos perante o Tribunal do Júri, que
julgava todas as infrações penais.
Em 1871, o Poder Judiciário, face
à nefasta influência política e
corrupção nos pretórios policiais, desvencilhou-se do inquérito policial.
Mandou seus delegados para o Poder Executivo. Anjos caídos, os delegados foram
expulsos do Paraíso e despachados, de mala e cuia, para onde hoje, irregularmente, se encontram.
Como compensação, os delegados de
polícia mantiveram alguns poderes quase-judiciais, como a prisão em flagrante,
a condução coercitiva dos atores do inquérito, ora suspensa pelo ministro
Gilmar Mendes, do STF, a fixação de fiança criminal até 100 salários mínimos,
as horripilantes exumações, o indiciamento (indictment no Canadá e nos EUA) e
as intimações, feitas por seus oficiais de justiça, hoje investigadores.
Com a proclamação da República,
em fins de 1889, a competência para legislar em matéria processual penal passou para os 21 estados-membros
dos Estados Unidos do Brasil. Bagunça total! Só o Estado de São Paulo salvou-se
do naufrágio legislativo, ao editar o Regulamento Policial do Estado, de 1928.
Em 1º de janeiro de 1942, a lei especial
do inquérito policial foi embutida pelo
ditador Vargas entre os artigos 4º e 23 do vigente Código de Processo Penal.
Envelheceu, apesar das tentativas de
salvá-lo com artigos modernizados,
enxertados a marretadas legislativas.
Hoje o inquérito está totalmente desmoralizado. Depoimentos precisam ser repetidos em juízo. Somente
provas médico-legais e periciais, conhecidas como “testemunhas silenciosas”, irrepetíveis no fórum, valem. Cartórios
atulhados de feitos são tocados por escrivães estressados e mal
pagos, cujos delegados, na sua maioria,
apenas assinam peças quando indiciados,
testemunhas e vítimas encontram-se a quilômetros de distância das unidades
policiais. A Lei nº 9.099/95 devorou-o em dois terços. Hoje, somente um terço dos crimes é investigado dentro do
inquérito policial. Os demais, pelo Jecrim, felizmente.
Já é hora de se buscar, na
legislação comparada, um novo modelo para a investigação criminal brasileira,
mais ágil, como os métodos canadenses e norte-americanos. Também, um novo
modelo de Polícia, bem paga, distante da
tolice técnica recentemente proposta pelo atual governador do Estado, pretendendo deslocar a Polícia Civil para a
Secretaria da Justiça, e não para o Poder Judiciário, onde nasceu!!!
O artigo 144 da Constituição
Federal merece uma emenda constitucional moderna, compatível com as polícias
mundiais do século XXI, livrando suas polícias civis e militares das matrizes
portuguesas trazidas por Dom João VI. O Brasil precisa, urgentemente, a médio
prazo, de um novo modelo policial e de investigação criminal. No país da
Embraer, o inquérito policial é um 14Bis!!!
Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.
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