Senador ganhou fama no Brasil como "instrutor da SWAT", se elegeu na onda bolsonarista em 2018, no entanto dossiê de soldados dos Estados Unidos denuncia uso indevido da instituição por Do Val, que nunca foi policial
Ele
já foi fardado duas vezes ao programa de Jô Soares, no SBT e na Globo.
Convidado de Danilo Gentili, compareceu ao estúdio com o colete que tem um
imenso SWAT escrito no peito, além da palavra “instructor” em inglês. Além
disso, pendurou bem visível o símbolo de sua empresa, o CATI, e fez merchan da
Action X, que se apresenta como a principal fornecedora de equipamentos para a
prática de airsoft, jogo em que são disparados projéteis fake, de plástico.
Mas,
não foi só. Ao lado de Sabrina Sato, que portava um fuzil fake, Marcos do Val,
com uma vistosa camisa amarela – com “instructor”, sempre em inglês, escrito
nas costas – comandou diante das câmeras o que definiu como “progressão em área
de risco”.
No
Facebook, tem hoje mais de 3,8 milhões de seguidores, boa parte dos quais
angariou antes de ser eleito senador pelo Espírito Santo, em 2018, com 863.359
votos, na onda do bolsonarismo.
Marcos do Val e Sabrina Sato, em 2016. (Foto: Reprodução/Facebook @marcosdoval |
Tendo
sua trajetória catapultada pelo fato aparentemente extraordinário de ser
instrutor da SWAT nos Estados Unidos, Marcos do Val queria abrir a CPI do
Terrorismo na Câmara, Senado ou na Câmara Distrital de Brasília para provar que
o governo Lula sabia com antecedência que as sedes do Congresso, do STF e o
Palácio do Planalto seriam atacadas no dia 8 de janeiro.
“O
Presidente Lula, após ter ciência dos atos de vandalismo que seriam praticados
[...] solicitou, de última hora (no sábado), aeronave presidencial com destino
ao interior de São Paulo”, ele postou em sua página no dia 24 de janeiro.
Dias
depois, deu entrevistas gravadas à revista Veja dizendo que o ex-presidente
Jair Bolsonaro pediu a ele que gravasse o ministro do STF Alexandre de Moraes.
“Ele
é sem noção das consequências”, afirmou em relação a Bolsonaro, que teria dito
a ele que o Gabinete de Segurança Institucional “ia me dar o equipamento para
poder montar para gravar”.
Nos
dias seguintes, Marcos do Val foi se desdizendo, até publicar um vídeo
(obviamente, com o botton da SWAT na lapela do paletó) em que afirmou: “Tem
repórter dizendo que o senador tá se contradizendo, que o senador tá tendo
desequilíbrio emocional. Tudo isso é proposital. Falei para vocês sobre o good
cop, bad cop, tem várias técnicas que são utilizadas. E eu tô fazendo uso de
todas elas”.
No
vídeo, ele disse que Jair Bolsonaro estava sendo comunicado de sua estratégia e
chamou os filhos Flávio e Carlos de “parceiraços”.
Marcos
do Val nunca foi policial
O
que chama atenção, no entanto, é que ainda hoje o senador se escora num
pretenso conhecimento de técnicas policiais nas quais ele seria especialista, o
que é contestado por um grupo de militares dos Estados Unidos.
Embora
muitos dos seus votos tenham sido obtidos com a defesa da segurança pública, a
experiência militar do senador foi apenas a de ter servido como soldado no 38°
Batalhão de Infantaria, em Vila Velha, na juventude.
Em
sua biografia oficial, Marcos do Val diz que desenvolveu técnicas de
imobilização a partir do aprendizado de aikido, no Japão, o que teria sido o
embrião de sua empresa, o CATI (Centro Avançado em Técnicas de Imobilização),
com base no Espírito Santo.
Em
2008, ele ganhou notoriedade ao aparecer no Fantástico, da TV Globo, como se
fosse especialista em sequestros, criticando o comportamento da polícia
paulista no caso Eloá, em que o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) da
polícia paulista tentou uma invasão desastrada do cativeiro que acabou na morte
da refém.
No
dia seguinte, Reinaldo Azevedo, próximo do governador de então, o tucano José
Serra, polemizou com Marcos do Val:
Foi
além: “A SWAT não existe. A SWAT, assim, com artigo definido, não existe. Aos
fatos: SWAT – sigla para Special Weapons and Tactics – é o nome convencional
para grupos de operações especiais e de alto risco nas polícias americanas.
Muitos nem têm esse nome”.
Isso
é fato. Mas, atribuindo as críticas à amizade entre o jornalista e José Serra,
Marcos do Val perseverou no ramo, até se eleger em 2018 com fama de durão
contra o crime.
Com
fuzil na mão, Marcos do Val consolidou imagem de treinador da polícia
Em 2015,
no livro “Um brasileiro na SWAT”, de Ana Lígia Lira, o hoje senador apareceu em
destaque na capa, vestido de preto e portando um fuzil. Sua imagem de guerreiro
extraordinário, capaz até de treinar a polícia dos Estados Unidos, estava
consolidada.
Capa
do livro "Um brasileiro na SWAT", de Ana Lígia Maria |
Ainda hoje, em seu perfil do twitter, o senador aparece numa montagem entre o símbolo da SWAT de Dallas, no Texas, e um blindado onde está escrito Dallas Police – ele veste uma camiseta escura onde também aparece o escudo da SWAT local.
A TTPOA é uma espécie de clube de policiais, uma entidade que não faz parte do aparato de Estado no Texas.
Marcos
do Val já foi denunciado como "uma farsa"
Em
2017, a Gazeta Brazilian News, que se anuncia como o principal jornal
brasileiro da Flórida, deu voz a dois brasileiros que denunciaram Marcos do Val
como “uma farsa”.
Lincoln
Batista, cidadão americano que serviu ao Exército dos Estados Unidos no Afeganistão,
foi um dos autores da denúncia.
Lincoln
foi baseado nos fortes Hood e Lewis entre 2006 e 2017 e passou 9 meses em
Cabul. Hoje, é reservista e vive em Huntsville, no Alabama.
Ele
diz que não tem nenhuma pendenga pessoal ou comercial com Marcos do Val, apenas
se revoltou por acreditar que o agora senador brasileiro cometeu crime que no
Brasil seria equivalente a se fazer passar por policial.
“A
SWAT é uma instituição que conta com os melhores policiais que são os que dão
crédito à instituição. Mas, uma pessoa que foi contratada para dar aula de
imobilização sair falando que é membro da SWAT, tirar fotos mostrando ‘police’
no uniforme e sem passar uma imagem clara do que realmente ele faz para a
população é uma vergonha”, afirmou.
“Ele
é instrutor de imobilização, mas não um membro da SWAT. Por isso, ele não
utiliza arma de fogo, sendo que o trabalho dele não é policial. Mas a
propaganda se passando por um policial está explícita. Não é culpa dele que o
pessoal entende errado, mas ele passa essa imagem segurando armas como se fosse
ferramenta de trabalho dele, mas não é”, acrescentou.
Lincoln
se deu ao trabalho de montar uma página no Facebook, com outros colegas da área
militar e de segurança, batizada de Stolen Valor Brasil, dedicada a “desmascarar
falsos militares, policiais, veteranos e instrutores que falsificam suas
credenciais”.
"Stolen
Valor" é literalmente "valor roubado".
É
uma referência à lei de 2005, assinada pelo presidente George W. Bush, que
tornou contravenção punível por até seis meses de cadeia “o uso, manufatura ou
venda não autorizada de qualquer condecoração ou medalha militar”.
A
página, que chegou a 17.144 curtidas, foi tirada do ar no Brasil, segundo
Lincoln por ação de Marcos do Val. Ele teria tentado processar o militar na
Justiça do Espírito Santo, sem sucesso.
Mas,
Lincoln insistiu: lançou outra página, a Stolen Valor Brasill, com dois eles,
“dedicada à caça de embusteiros, falsários e estelionatários que se passam por
policiais”.
Em
troca de mensagens e por telefone, Lincoln reafirmou à Fórum as denúncias que
vem fazendo contra Marcos do Val nas redes sociais desde 2016.
“Ele
sempre bloqueia as pessoas que questionam. Uma das [perguntas] mais simples é:
qual sua patente na SWAT? Não existe cargo de instrutor, instrutores aqui são
os mais experientes e qualificados pelo departamento [de polícia]”, escreveu
Lincoln.
O
senador se desfez do CATI antes de assumir o seu primeiro cargo público. Mas,
ainda é perseguido pela denúncia de que teria inflado o seu currículo.
No caso
do Texas, ele diz que é membro honorário da SWAT da pequena Beaumont, uma
cidade de apenas 120 mil habitantes que não é exatamente uma capital do crime.
Em
Dallas, Marcos do Val de fato desenvolveu relações com integrantes da
associação TTPOA, a organização sem fins lucrativos formada por policiais e
veteranos que edita uma revista e promove cursos de aperfeiçoamento.
A
CATI International Police Training tem 22 mil seguidores e postou pela última
vez em julho de 2018, ano em que Marcos do Val saiu candidato pela primeira vez
na vida e se elegeu de forma surpreendente com apoio do bolsonarismo.
A
página anunciou, ao preço promocional de U$ 2 mil, que faria um curso de “Super
Swat” no Texas, entre 16 de abril e 5 de maio de 2017. O valor não incluía
passagem aérea, alimentação, hospedagem e custos com o visto americano. Nela,
aparecem ofertas de cursos em todo o Brasil.
As
conferências nos Estados Unidos, no entanto, seriam dadas pela associação de
policiais que não tem relação formal com a SWAT de Dallas.
Lincoln
Batista sustenta que o acesso de Marcos do Val a policiais do Texas se deu por
influência de um amigo, ex-militar e ex-policial da SWAT. A sede americana do
CATI, segundo Lincoln, foi registrada num endereço ligado ao amigo de Do Val,
em Lumberton, Texas, que fica a 20 quilômetros de Beaumont, onde o hoje senador
conseguiu o título de membro honorário da SWAT por conta da influência do
parceiro.
Em
suas redes sociais, Marcos do Val se diz vítima de perseguição e argumenta que
fez muitos inimigos ao defender a empresa brasileira Taurus, uma grande
exportadora de armas para os Estados Unidos.
Uso
da SWAT para ganhar dinheiro, diz dossiê
O
soldado Lincoln e seus amigos prepararam um dossiê de 67 páginas com denúncias
sobre o que consideram o uso inadequado da SWAT por um não policial, no caso do
Val, para ganhar dinheiro.
Nas
redes sociais, militares, ex-militares, policiais, ex-policiais, veteranos de
guerra, atiradores e soldados da fortuna formam uma comunidade expressiva, que
se organiza em torno de cursos e feiras de armamento.
Foi
nesta comunidade que as denúncias contra Marcos do Val ferveram, a ponto dele publicar
um vídeo em fevereiro de 2017 admitindo que nunca foi policial.
Um
vídeo disseminado pela página do Stolen Valor, no entanto, mostra que em ao
menos três ocasiões Marcos do Val disse ser policial.
Em
outro vídeo, uma pessoa pergunta se Marcos do Val é policial.
“Fui
lá nos Estados Unidos durante cinco anos, hoje eu dou aula lá desde o ano de
2000, aula para a SWAT nos Estados Unidos”, responde.
No
print de uma conversa por escrito que teve com um de seus questionadores, o
hoje senador escreveu: “Camarada, acho que falta mais pesquisa sua. Veja na
descrição do meu perfil, lá eu falo quem eu sou e o que faço. Apesar de ter
sido policial por 5 anos aqui nos Estados Unidos, eu nunca falei que ainda
sou”.
No
dossiê organizado por Lincoln, consta uma visita que Marcos do Val fez a uma
unidade policial de Paris, a convite do francês Alexandre Vigier. Do Val estava
acompanhado por um PM do Paraná. Houve visita às instalações, exibição de
técnicas de imobilização e torneios de tiro. O hoje senador deu de presente ao
anfitrião uma caveira-símbolo do BOPE, o Batalhão de Operações Especiais da PM
do Rio de Janeiro.
Vigier,
instrutor de tiro tático, gravou um vídeo depois de receber questionamentos
sobre Marcos do Val em sua página.
“Conheci
o Marcos do Val pelo Facebook. Eu achava que ele era policial, instrutor da
SWAT”, ele disse.
“Na
Europa, quando você diz que é instrutor da SWAT, você faz parte da
instituição”, acrescentou.
Defesa
dos EUA nega treinamentos da CATI a agentes
Ainda
hoje, em sua biografia, Marcos do Val diz que sua empresa treinou agentes da
NASA, FBI, Navy Seals e do Vaticano.
Lincoln
Batista diz que seu grupo questionou o Departamento de Defesa dos Estados
Unidos e em fevereiro de 2017 recebeu a resposta do setor de Operações
Especiais do Comando Sul de que não há registro de que Marcos do Val tenha
participado ou dado instruções às Forças Especiais do Exército ou ao pessoal da
US Navy Special Warfare, que inclui os Navy Seals.
A
Fórum questionou as entidades citadas por Marcos do Val em sua biografia, mas
ainda não obteve resposta.
De
acordo com o senador, ele recebeu dois títulos de doutor honoris causa. Um da
Facei, a Faculdade Einstein, de Salvador. Outro da Erich Fromm World
University, da Florida.
O
que não está escrito na biografia é que o diretor-geral da Facei é o mesmo
reitor da Erich Fromm.
A
universidade registrada na Flórida informa que oferece títulos de doutor
honoris causa “para todos aqueles que tenham uma larga experiência curricular,
de forma tácita e/ou explícita”.
E
explica: “O prestígio da universidade que atribui o Doutoramento Honoris Causa
para uma personalidade, geralmente de âmbito internacional, fica bastante
enriquecido, porque a partir daquele momento esta pessoa fará parte do corpo de
doutores daquela universidade”.
Os
números de telefone das duas escolas que constam na internet não atendem, nem
mesmo a contatos por WhatsApp.
No
Instagram, onde tem 766 mil seguidores, o senador Marcos do Val se apresenta
como “membro de honra e ex-instrutor da SWAT nos Estados Unidos e da unidade
antiterrorismo da NASA”.
Lincoln
Batista sustenta que Do Val tem um histórico de exageros em suas viagens
internacionais. Num curso do CATI em Portugal, ele foi apresentado em uma TV
local como “das forças especiais do Brasil”.
De
uma publicação sobre "Grandes Mestres das Artes Marciais",
compartilhada pelo próprio do Val, Lincoln sustenta que há claros exageros: que
o brasileiro teria treinado a segurança do papa no Vaticano, participado
oficialmente de operações da SWAT nos Estados Unidos e sido o único brasileiro
a obter um visto especial do governo estadunidense por causa de sua
qualificação.
Além
disso, Lincoln aponta para a inconsistência dos diferentes currículos que o
hoje senador apresentou ao longo do tempo. Da página marcosdoval.com.br, que já
saiu do ar, Lincoln recolheu o seguinte print:
“Instrutor
do DEA, US Army e de centenas de equipes das SWAT’s em todos os EUA. Ministra
regularmente treinamentos para o grupo Antiterrorismo da equipe de operações
especiais da NASA (Marshall Space Flight Center) nos EUA. Foi chamado com
urgência para treinar soldados americanos das forças especiais que estavam para
lutar na guerra do Afeganistão e Iraque”.
De
todos os exageros que teriam sido cometidos pelo hoje senador brasileiro,
segundo Lincoln, o que mais o chocou foi numa entrevista dada ao Fantástico, no
qual Marcos do Val repetiu que teria treinado forças especiais dos Estados
Unidos. "Eu tenho security clearance", diz o militar, referindo-se à
checagem que antecede o acesso de qualquer pessoa a ambientes onde circulam
informações confidenciais.
Marcos
do Val nunca teve tal privilégio nos Estados Unidos e, portanto, não poderia
ter treinado pessoalmente as unidades de elite do Pentágono. "Como ele não
é cidadão americano, nem policial poderia ser aqui", afirma.
Lincoln
disse que está à disposição do senador para um debate ou mesmo uma ação na
Justiça dos Estados Unidos para comprovar os dados que reuniu no dossiê.
"O máximo que ele vai conseguir é ter de se explicar", desafia.
Fonte: https://revistaforum.com.br/politica/2023/2/6/exclusivo-marcos-do-val-senador-do-grampo-contra-moraes-farsa-de-um-brasileiro-na-swat-por-luiz-carlos-azenha-131081.html
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