sexta-feira, 5 de agosto de 2016

SEXO POR TELEPATIA E POLÍCIA CIVIL

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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
Não pude evitar a  gostosa gargalhada ao terminar de ler a notícia publicada pelo Correio Popular, de 3 de agosto, A3,  relatando que sexo por telepatia virou caso de polícia em Limeira.
Não é de hoje que as delegacias e distritos policiais do Estado de São Paulo enfrentam casos semelhantes trazidos ao conhecimento da autoridade e que merecem redobrada atenção por ocasião de sua triagem, antes de serem  reduzidos a registro digital  de ocorrência, virando B.O.
Durante minha longa carreira de delegado de policia enfrentei casos semelhantes, dando-lhes adequada solução, como passo a relatar. Na década de 80, do século passado, quando plantonista num remoto distrito na Zona Leste de São Paulo, fui procurado, durante uma fria madrugada, por um zelador de escola municipal relatando-me que um disco voador acabara de pousar, com suas fortes luzes,  mas sem ruídos, no campo de futebol da escola.
Dirigi-me, de imediato, para o local do fato com alguns policiais de minha equipe. Nada constatei de estranho. A grama não estava queimada. Nem havia marcas de um eventual trem de pouso da nave interestelar. Aconselhei o homem a ficar de campana, pedindo-lhe que me avisasse caso o objeto voador não identificado voltasse ao estabelecimento escolar a fim de que pudéssemos elaborar um boletim de ocorrência bem circunstanciado. O homem não retornou ao plantão
Anos depois, episodicamente trabalhando como titular do 3º DP de São Paulo, atendi um senhor que entregou-me uma petição pedindo instauração de inquérito contra um  morador do prédio ao lado, no Largo do Arouche, próximo à Praça da República. O reclamante, em seu petitório, acusava o vizinho de estar prestes a concluir a construção de um canhão eletrônico que dispararia o “raio da morte”, matando os delicados frequentadores do conhecido local. Educadamente, como permite a lei processual penal, indeferi o pedido, instruindo-o a recorrer ao secretário da Segurança Pública. Também, não retornou. Acho que não recorreu.
No final do século passado, um delegado do interior paulista indiciou São Pedro por suposto crime de dano. A autoridade, que depois prestou contas à Corregedoria, ao ser procurada por um proprietário de motel, reclamando que, durante uma tormenta, um raio caíra sobre a antena parabólica, queimando todos os televisores dos quartos, não vacilou em fazer o boletim, exigido pelo seguro, indiciando o porteiro do Céu!!! A notícia correu o mundo.
O estupro telepático supostamente ocorrido em Limeira, pelo seu ineditismo, deverá fazer idêntico percurso. A leitura da notícia revela que a delegada e a escrivã de seu cargo já tomaram o depoimento, mediante termo de declarações da vítima, uma farmacêutica, oficializando tudo sobre o papel. Não sei como é que a autoridade irá positivar a antijuridicidade concreta do evento!!! Não consigo, por mais que me esforce, entender  como  a delegada formou sua convicção íntima. Teria ela se amedrontado sobre uma suposta reclamação da suposta vítima à Corregedoria, ao Ministério Público ou ao bispo de Butiá?
Pior de tudo é que o suposto atacante telepático seria um oficial do Exército, circunstância que poderá provocar até desdobramentos castrenses. As características do crime, tido como hediondo, tornaria o sujeito ativo indigno do oficialato. Fico preocupado com a atitude do juiz de direito irá cuidar do caso. Como será que Sua Excelência irá conceder medidas protetivas à boticária vítima, que pretende deixar Limeira voltando para o seu torrão natal? E o órgão do Ministério Público como  irá erguer-se, ereto, nessa teratológica  hipótese de violação?
Numa época em que a Polícia Civil, de 40.000 cargos, atolada em  inquéritos, sente a falta de 14.000 autoridades e agentes, sem que se compute os claros do IML e do IC, não tendo nem  quadros  especializados para auxiliar o Poder Judiciário na avançada política criminal da novíssima audiência de custódia, ora implantada em Campinas e em Jundiaí, a delegada da DDM de Limeira dá-se ao luxo de investigar esse inusitado caso. Ou estaria de brincadeira, como se diz atualmente?
Sabe-se que a Polícia Civil sente crônica falta de pessoal para realizar uma investigação policial de qualidade. Todavia, o episódio serve para que, no futuro, a Polícia Civil conte com assistentes sociais e psicólogas, como acontece nas melhores polícias do mundo na atualidade.  Com isso, evitar-se-ia a exposição ao ridículo de uma instituição centenária que faz das tripas coração para atender os justos reclamos de segurança pública vetorados pela desassistida população, sempre esquecida pelos políticos de plantão.

*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de direito e membro da Academia Campinense de Letras.

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