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Por Ricardo Dourado dos Santos*
O ser humano é essencialmente social, não surgiu para ser
ermitão e desde os primórdios da humanidade, já se agrupava em tribos para
melhor sobrevivência e procriação.
Com o passar dos tempos, e com o aumento de seres habitando
o mesmo espaço geográfico, surgiram os primeiros conflitos sociais, cuja
resolução se apresentava, invariavelmente, pela supremacia da força física e
brutalidade, onde o mais forte, impunha sua vontade aos demais membros do
grupo. Vejo neste fato, o nascimento do absolutismo e autoritarismo e quiça os
primeiros alinhavados reveladores da hierarquia verticalizada.
Ao longo dos séculos, desde a idade medieval, houve
constante evolução na forma com que as sociedades se organizam. Mesmo em idos
a.C. , pensadores como Platão, Sócrates e Aristóteles, refletiam sobre a melhor
forma de organização social para atendimento do interesse comum.
Transigindo do medieval para o mundo moderno, nos séculos
XVI a XVIII, ideias trazidas, dentre outros, por Charles de Montesquieu, John
Locke, Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau, assim como acontecimentos
históricos consubstanciados na Revolução Puritana, Habeas Corpus Act,
Independência Norte Americana e a Revolução Francesa, contribuíram para a
edificação do Estado Democrático de Direito.
Para Hans Kelsen, o Estado é um sujeito artificial, onde a
Lei tem papel essencial na organização das sociedades, sendo instrumento por
meio do qual o poder do povo se manifesta, e que vincula a todos de forma
igualitária, ou seja, governantes e governados são igualmente sujeitos às
determinações legais, respeitando as liberdades civis através dos direitos
humanos e pelas garantias fundamentais.
O Estado, entendido, conforme Maquiavel, como a situação em
que as coisas estão, Democrático, refletindo emanação da vontade do povo em
função do interesse comum, de Direito, baseado na divisão de poderes defendida
por Montesquieu e materializado na Lei em um “código superior” escrito, tem como
valor fundante a liberdade individual, e sua plenitude com os direitos de
solidariedade, onde os direitos humanos sejam direitos de todos e baseados em
deveres de todos.
José Afonso da Silva, preconiza, que a tarefa fundamental do
Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e
regionais, instalando um regime que realize a justiça social.
A grosso modo, o Estado Democrático de Direito deve
proporcionar a convivência humana em uma sociedade livre e solidária, regida
por justas leis, onde o poder popular é adequadamente representado, podendo o
povo, participar ativamente, da organização social e política, respeitando-se
ideias opostas.
Enquanto no velho mundo, berço da civilização, pensadores
expunham formas de se organizar, social e politicamente, descortinava-se no
século XV, a Terra Tupiniquim, hoje, a nossa República Federativa do Brasil,
vigorando, nos dias atuais, a Magna Carta de 1988, que traz em seu preâmbulo e
artigo primeiro, determinação de constituir-se num Estado Democrático de
Direito.
Democracia no Brasil, nunca foi matéria pacífica, embora o
grande anseio social, sua história é conturbada, e em apertada síntese,
passamos pela Monarquia semi-autocrática e escravista, advindo uma fase
democratizante, mas alvorotada, durante a República da Espada, caracterizado
por movimentos armados contestatórios, estado de sítio, repressão a movimentos
populares, seguindo-se um retrocesso democrático quando, instalada a ditadura
do Estado Novo sob a égide de Vargas, apresentando uma constituição outorgada e
desobedecida, censura, cárceres e tortura, sem contar com o parlamento fechado
e partidos banidos, até ser deposto por golpe militar, ressurgindo um lampejo
de democracia, meramente formal, pois ainda com governantes autoritários que
“atiravam” a polícia contra manifestações, culminando com o fatídico golpe de
64, em que as Forças Armadas assumem o poder político, protagonizando mais de
duas décadas de ditadura e repressão militar-policial, tendo seu fim
existencial com a ebulição político-social de massas, que conduziu a um
processo de abertura política, cujo resultado foi expresso na Consitituição de
88, apregoando-se uma democracia mais próxima da real e socialmente incisiva.
É no vintênio da ditadura militar que se apresentou a fase
mais tenebrosa da privação das liberdades, desrespeito aos direitos dos
cidadãos, com repressão baseada na tortura, assassinato e desaparecimento de
pessoas, onde a polícia era usada pelo Estado como seu instrumento de defesa e
braço armado, enxergando o cidadão como inimigo e não objeto de proteção.
Por conta da sistemática Estatal daquela época, fazendo uso
da polícia e deturpando a sua verdadeira função de prestação de serviços, que é
o bem comum no desenvolvimento da segurança pública, as forças policiais ainda
pagam alto preço perante a sociedade.
Há quem diga, que a violação das liberdades, torturas,
mortes e outras atrocidades, ainda se fazem presentes no atual modelo, mas
encobertas por um sistema jurídico revestido de aparente legalidade democrática,
alardeando que esses métodos não se modificaram com a transição de regimes.
Por outro lado, com a essencial e justa liberdade de
imprensa e direito à informação que tem o cidadão, vemos, diariamente,
estampados nos meios de comunicação, os índices criminais e o sensacionalismo
em torno de cada infração cometida e transmitida com comentários desprovidos de
conhecimento técnico, superdramatizando a violência e sustentando uma rede de
programas, mais preocupadas em cifras de audiência. Talvez, influenciados por
essa parcela da mídia e outros acontecimentos políticos-sociais, é que vemos
levantar no meio social, algumas bandeiras enaltecedoras do regime militar
ditatorial, clamando por sua volta.
Este singelo alinhavado tem apenas o condão de nos fazer
refletir sobre a atuação policial em interação com a sociedade, prestando
serviços para ela e alinhada aos ditames do verdadeiro sentido do Estado
Democrático de Direito.
A divergência de ideias e a garantia de suas manifestações,
discutindo-as e respeitando-as, são inerentes a uma sociedade democrática, mas
quer-me parecer, até mesmo pela juventude da democracia Brasileira, que a
própria sociedade ainda não encontrou um ponto de equilíbrio entre os rigores
da ditadura e as liberdades da democracia.
É preciso estudo, conhecimento e educação sobre o ideal
democrático, para que se possa materializar a ideologia, já existente
formalmente, “de que o governo é do povo, pelo povo e para o povo”, a fim de
que este, o povo, decida lucidamente se quer uma polícia com atuação vigorosa,
na acepção popular do termo, mas agindo extra legem com o uso desmedido da
força ou uma polícia cidadã, respeitosa e eficiente com uso de ferramentas e
tecnologias modernas, criando e aplicando mecanismos eficazes de contenção da
criminalidade, sem se olvidar do supremo respeito a lei e ao Estado Democrático
de Direito.
A mudança social deve começar por cada um de nós.
*Ricardo Dourado dos Santos é Delegado de Polícia e Professor de Direito Penal
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