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Carlos Alberto Marchi
de Queiroz*
O Correio Popular de 11/3, A15, ao tratar do episódio do Mensalão,
noticiou que o Supremo Tribunal Federal concedeu perdão para Delúbio Soares e
João Paulo Cunha. É bem provável que todos aqueles que leram a notícia podem
ter sido tomados por um profundo desalento face ao quadro de corrupção virótica
que assola o País.
Assim, à luz de tudo aquilo que
vem acontecendo, após a condução coercitiva de Luiz Inácio Lula da Silva,
ordenada pelo juiz federal Sergio Moro, e o oferecimento de denúncia por três
promotores paulistas contra o ex-presidente, sua esposa, filho e uma penca de
acusados, é possível que muitos leitores tenham tido a impressão de que o
Supremo Tribunal Federal deu um passo em falso.
Na verdade, nem Delúbio e, muito
menos, João Paulo foram perdoados pela Corte Suprema e, tampouco, indicados pela
presidente da República Dilma Rousseff para receberem o benefício, com
exclusividade. Todavia, a fim de que o amável leitor entenda, em linguagem mais
simples, o que realmente aconteceu, torna-se necessário fazer uma ligeira volta
ao passado, com o objetivo de explicar, minuciosamente, que a Justiça
brasileira ainda não se transformou numa casa de Orates.
Vale lembrar, nesse sentido, que,
anualmente, antes mesmo da promulgação do Código Penal e do Código de Processo
Penal em fins de 1940, é da tradição da ciência penitenciária nacional, desde a
época do Império, que determinados reclusos, preenchidos alguns requisitos
definidos em decreto assinado pela Presidência da República, possam alcançar a
tão sonhada liberdade na fase final de suas penas, aliviando, também, a
população carcerária que atulha as indescritíveis masmorras, ergástulos e
enxovias tupiniquins.
Delúbio Soares, condenado na Ação
Penal 470, e João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara Federal, apenado por crime
de peculato, através da intervenção de seus advogados, com base no decreto
presidencial, acabaram indultados pelo STF em razão de foro privilegiado, e não
perdoados, como divulgado pela grande imprensa.
Não é de hoje, devido a um erro
crasso de tradução, que a palavra
inglesa “pardon” é confundida , frequentemente, com os substantivos anistia,
graça, indulto, perdão e perdão judicial. A anistia, dada por lei, deleta o crime
para sempre, apagando a infração penal. Ela aconteceu, pela última vez, no
Brasil durante o governo Figueiredo. Militantes de esquerda, guerrilheiros
urbanos, e agentes estatais envolvidos no seu combate e na repressão foram
anistiados de forma total e irrestrita.
A graça é o indulto individual de
rara aplicação. O indulto, como o que beneficiou Delúbio, João Paulo e milhares
de presidiários no ano passado, pressupõe condenação transitada em julgado, em
ato de competência exclusiva do chefe da Nação. Evita a promiscuidade
prolongada de reeducandos recuperáveis com criminosos empedernidos.
O perdão é instituto exclusivo das
ações penais privadas, movidas entre particulares por crimes de calúnia,
difamação e injúria. Nelas, o ofendido pode perdoar o ofensor, judicial e
extrajudicialmente. O perdão judicial, por sua vez, é concedido pelo juiz, por
sentença. Os casos mais típicos são aqueles conferidos pelos magistrados em
casos de crimes de trânsito quando desnecessário punir o réu acusado pela morte
de um familiar querido vitimado em
acidente de veículo por ele causado por
imprudência, negligência ou imperícia.
A confusão terminológica entre
perdão e anistia ocorre desde o caso Watergate, revelado pelos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein,
do Washington Post, quando, logo após
a renúncia de Richard Nixon, em 9 de agosto de 1974, o presidente Gerald Ford perdoou o
renunciante, livrando-o de ação penal e de condenação.
A legislação brasileira não admite
o perdão nos moldes ianques. Sua essência, todavia, corresponde à anistia
assinada pelo presidente Figueiredo, no apagar das luzes dos governos
militares.
Delúbio Soares e João Paulo Cunha
não foram perdoados pelo Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, foram
dispensados, mais cedo, do cumprimento do restante de suas penas em regime
aberto, podendo, assim, voltar mais cedo para casa. Ambos perderam a
primariedade, a virgindade penal. Durante 5 anos, a partir do trânsito em julgado de seus
processos, deverão apresentar conduta social irrepreensível. Caso voltem a
delinquir serão considerados reincidentes, com possibilidade de terem aumentadas
suas virtuais penas. Seus antecedentes criminais, dos quais não escaparam,
pesarão, como cicatrizes, em seu desfavor, como circunstâncias agravantes.
Ao contrário do que se possa
pensar, a Justiça brasileira não é leniente. Até o final dos cinco anos, os
efeitos da condenação pesarão sobre ambas cabeças como a espada de Dâmocles.
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.
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