quinta-feira, 13 de outubro de 2011

É assim que as coisas acontecem!

"Eu acabara de sair da SR/DPF/SP após uma operação policial antidrogas. Eram duas horas da manhã e eu seguia para casa numa Honda CB600 Hornet. Seguia ainda mais atento, pois além de saber que a moto era muito visada por ladrões, o horário era um complicador adicional. Na Marginal Tietê, fui surpreendido, ainda em movimento, por dois homens que estavam noutra Hornet. Imagino que se aproximaram com o farol apagado, pois incrivelmente não os percebi. Assim que as motocicletas se emparelharam, o garupa apontou um revólver e ordenou que eu parasse. Não vislumbrei possibilidade de reação ou fuga, então, obedeci. Os dois desceram rapidamente da moto, enquanto eu permaneci na minha. O piloto postou-se a minha esquerda e o garupa a minha direita e mais atrás. O primeiro ficou com a mão atrás do corpo simulando estar armado, e o da direita apontava o revólver o tempo todo.""O piloto começou dar as ordens: 'Devagar, desliga a moto!' Desliguei e soltei as mãos do guidão, trazendo os braços junto ao corpo com a intenção de encobrir o possível volume de minha arma que estava do meu lado direito e sob o casaco. Ele imediatamente ordenou que eu recolocasse as duas mãos no guidão. Nesse momento fiquei bastante preocupado, achando que seria revistado. Não fui (sorte nº 1). Ele perguntou se a moto tinha alarme. Eu disse que sim e ele perguntou onde estava o controle remoto. Eu disse que estava no bolso esquerdo do casaco (sorte nº 2). Ele colocou a mão no bolso indicado e retirou o controle remoto e meu celular. Mandou que eu colocasse a moto no descanso e descesse devagar. Quando desci, me apoiando sobre a perna esquerda, girei meu corpo no sentido horário. O piloto se reposicionou de modo que ele e o comparsa ficaram lado a lado e de frente para mim, enquanto minha moto ficou a minha esquerda. Então, ele ordenou que eu tirasse o capacete. Ele pegou o capacete e o apoiou no espelho retrovisor. O capacete ficou, portanto, exatamente ao meu lado. Ele mandou que eu retirasse as luvas. Retirei. Mandou que eu tirasse o casaco. Nesse momento, sabendo que ao tirá-lo, minha pistola ficaria visível, soube que algo iria acontecer. Levei a mão até o zíper do casaco, mas não o abri de imediato. Ele mandou que eu tirasse o casaco rápido. Então, eu olhei para trás dos dois e disse: 'É que tem um pessoal ali olhando!' Por incrível que pareça, como num filme (não que eu tivesse planejado o resultado), ambos deram uma rápida olhada pra trás (coisa de frações de segundo), quando, então, eu saquei a pistola e atirei na direção dos dois criminosos. Percebi que ambos se sobressaltaram quando levei minha mão rapidamente à cintura ao mesmo tempo que dava um passo pra trás. O garupa atirou imediatamente, ao mesmo tempo que se virava, assustado, na intenção de fugir. Aliás, os dois saíram correndo, patinando. O garupa patinava tentando correr, olhava para trás e atirava (tudo ao mesmo tempo).”
“Lembro-me que atirei quatro vezes no criminoso armado com o revólver. Mas a agonia de ter que sacar tão rápido uma pistola que estava sob um casaco comprido e pesado, sob a mira de uma arma, fez com que meus quatro primeiros tiros fossem disparados enquanto a arma não estava bem empunhada e enquadrada. Além disso, eu atirava contra um alvo em movimento, enquanto eu mesmo tentava me esquivar dos tiros recebidos. Outros dois tiros foram disparados frações de segundos depois, mas tempo suficiente para que a arma estivesse mais bem empunhada. Acho que por isso o piloto recebeu os dois tiros e morreu!”
“O piloto caiu metros adiante. Contudo, o garupa atravessou a rua e, vez ou outra, enquanto fugia, se virava para mim e atirava (fez isso duas vezes). Com a pistola bem empunhada e com visada, eu respondi aos tiros, mas em razão da distância, da movimentação (minha e do criminoso) e dos carros que passavam entre nós, não o alvejei.”
“Bem! Confesso que a sensação foi muito ruim, enquanto estava rendido, vulnerável, sem saber qual seria o desfecho. Depois do resultado espantoso, fiquei muito feliz por estar vivo, ter dado tudo certo, e voltado pra minha família.”
“Procurei manter a calma, apesar de tudo. E enquanto pensava na possibilidade de reagir, se tivesse uma chance, mentalizei que teria que ser rápido e preciso.”
“Ao apanhar meu capacete, aquele que havia sido colocado sobre o guidão da minha moto, ao meu lado, percebi uma perfuração.”
“Dei sorte, graças a Deus!”
O relato que você acabou de ler foi enviado por um colega da PF e exemplifica a natureza da maioria dos confrontos armados envolvendo policiais. É quase sempre assim, quer dizer, você trabalha diariamente contra o crime e a violência, investigando ações suspeitas, prendendo criminosos profissionais, atendendo ocorrências no meio da madrugada, patrulhando áreas perigosas, realizando buscas em residências de bandidos e esperando encontrar as piores pessoas nos piores lugares. E você treinou para isso ou aprendeu com a experiência! Entretanto, nada acontece. Aí, depois de um dia normal trabalho, você troca de roupa, esconde sua arma debaixo da camisa, se despede dos colegas, pega seu veículo e volta para casa. Distraído, sozinho, dentro do carro preso pelo cinto de segurança ou esperando ser atendido pelo caixa da padaria, se passando por uma pessoa comum, você é incluído no rol de vítimas em potencial. E justo quando você está mais vulnerável, alguém aparece e tenta assaltá-lo! E isso não estava no programa de treinamento de sua organização policial.
O episódio é pertinente porque demonstra muito daquilo que todo policial precisa esperar num conflito armado: a duração, as miras, o tiro baixo, a luminosidade, o índice de acertos ou erros, as distrações, a sorte e a concentração mental e visual.
Confrontos a curtas distâncias duram pouco tempo porque a munição acaba rápido demais ou alguém foge ou morre. Dentre outros fatores, isso se deve ao fato de que a maioria dos disparos erra o alvo, e tanto criminosos quanto policiais continuam atirando até que alguém seja incapacitado ou fuja. Em virtude do estresse, os envolvidos no tiroteio podem não perceber que foram atingidos, e sem esta percepção, é possível que permaneçam de pé resistindo até que os ferimentos provoquem a incapacitação de alguém. Na mesma linha, aquele que atira não consegue perceber os efeitos de seus disparos contra o alvo, o que força o atirador a continuar disparando até que algo demonstre que seus tiros surtiram o efeito desejado (normalmente isso ocorre quando o agressor cai).
Além disso, muitos criminosos utilizam suas armas como meio de garantir a fuga, pois eles sabem que a permanência prolongada no local aumenta as chances de serem presos ou mortos. Por isso, eles atiram e fogem ou fazem isso simultaneamente, o que implica afirmar que você estará disparando em um alvo em movimento.
Em eventos dessa natureza, uma dúvida persiste: é possível usar o aparelho de pontaria? Não existe, ainda, um convencimento sobre a impossibilidade de ver as miras em todos os confrontos armados. Obviamente, isso depende de muitos fatores. Um deles é se você foi ou não pego de surpresa e o início da reação foi prejudicado. Se um ataque ocorrer de repente e o criminoso estiver perto demais, o tempo para reagir será curto, e assim atirar em alguém perto será uma necessidade. Nesse evento, o policial, se conseguir reagir, responderá com sobressalto e instintivamente, o que não possibilitará a visão das miras. Talvez não haja tempo sequer para empunhar a arma com as duas mãos. Por outro lado, o mais importante é o aumento da velocidade de reação já que você não precisa, conscientemente, usar as miras da arma como pré-requisito para atirar. Entretanto, o aumento da velocidade de reação produz erros durante o processo, tais como atirar baixo ou quando a arma não está, pelo menos, apontada para o agressor. Pesquisas americanas informam que mais da metade dos policiais envolvidos em tiroteios utilizam o tiro instintivo, ou seja, o disparo da arma sem o uso das miras, o que poderia explicar os baixos índices de aproveitamento dos disparos (22% para a Polícia de Nova Iorque e 25% para a Polícia de Miami). Contudo, os defensores do tiro instintivo (dentre os quais me incluo) alegam que as academias de polícia não ensinam os policiais a atirar instintivamente focando o alvo, mas exigem algum tipo de tiro visado ou, pelo menos, o foco na massa de mira. Acredita-se até que o baixo aproveitamento dos tiros ocorra em função do uso das miras em confrontos a curtas distâncias, quando o policial “perde” o alvo porque está olhando para a arma. Debate à parte, a regra é simples: curta distância igual a tiro instintivo com foco no alvo e senso de alinhamento da arma com o alvo. Há uma técnica de tiro que ensina a disparar a arma na linha da cintura contra alvos a curtíssimas distâncias (Speed Rock Drill*). Alguns instrutores americanos têm insistido no ensino do tiro instintivo como meio de contornar o problema das miras.
Infelizmente, atirar baixo é tão comum quanto errar os disparos. Essa realidade provavelmente não é intencional, contudo também é o resultado da distração com pensamentos introspectivos (aqueles sem relevância imediata para a situação tática, tais como a morte ou processos judiciais) ou da falta de foco naquilo que realmente interessa quando alguém está a um metro de distância, com uma arma na mão e plenamente disposto a matar você. A solução para o tiro baixo é paliativa, mas pode funcionar, ou seja, continuar atirando até que sua arma esteja enquadrando o alvo. Você ainda pode utilizar a técnica de tiro na linha da cintura ao passo que se afasta do agressor até que tenha condições de empunhar a arma com as duas mãos e melhorar o enquadramento no alvo*. Essa é a vantagem que a pistola possui sobre o revólver: você tem mais que o dobro de disparos até começar a acertar o agressor no centro de massa.
Outro dado, que você já deve conhecer também, é que a maioria dos tiroteios ocorre durante períodos de baixa luminosidade. Porém, você precisa entender que baixa luminosidade não significa apenas o período da noite, mas aqueles locais escuros ou mal iluminados, ainda que durante o dia. O FBI calcula que 59% dos confrontos armados ocorrem das 18h até às 6h do dia seguinte, com um incremento no período de 20h às 22h. Já a Polícia de Miami informa que 62% de seus incidentes ocorreram em circunstâncias com baixa luminosidade e a Polícia de Nova Iorque relata que isso ocorreu em 77% de seus confrontos armados. Considerando que a maioria dos incidentes acontece nesta ocasião (baixa luminosidade), é natural esperar algum tipo de declínio no percentual de aproveitamento dos disparos realizados pelos policiais. E é exatamente o que diz a Polícia de Baltimore, num estudo que compreendeu o período de 1989 a 2002. O estudo demonstrou que durante o dia (luminosidade normal) o índice de acerto dos disparos foi, em média, de 64%. Mas este indicador caiu para 45% nos momentos de baixa iluminação, quer dizer, um declínio na ordem de 30%. A Polícia de Los Angeles reporta um declínio de 24% no aproveitamento nestas mesmas condições.
Com tanta coisa podendo dar errado, algumas pessoas dizem que o principal fator durante uma reação armada é a sorte. Mas enquanto a sorte é um elemento em cada confronto, é certo que não se deve torná-la um fator importante durante os treinamentos. Algumas pessoas dizem que quando se está perto demais do perigo, não é preciso ser bom, mas ter sorte, o que é de certa forma verdade. Talvez a resposta para esse problema seja não se preocupar em usar ou não as miras, por exemplo, mas estar concentrado naquilo que acontece a sua volta para perceber as "janelas de oportunidades" para sua reação. Percebendo que não haveria chance para reagir, o policial federal usou a dissimulação para enganar os criminosos e criar a oportunidade para se salvar. Quando você se concentra, você avalia a ocorrência em busca de uma solução para o problema. Isto, por si só, elimina as distrações mentais que podem encobrir a única oportunidade de reação.
Em um estudo de 2002, da Drª Alexis Artwohl, co-autora do livro Deadly Force Encounters, entrevistou 157 policiais que se envolveram em tiroteios. O estudo revelou os seguintes resultados em relação à percepção:
  • 84% dos policiais experimentaram a exclusão auditiva;
  • 79% experimentaram a visão em túnel;
  • 74% experimentaram pouco ou nenhum pensamento consciente;
  • 71% experimentaram a embranquecimento visual;
  • 62% perceberam o tempo em câmara lenta;
  • 52% não se recordaram de parte do evento;
  • 46% não se recordaram do próprio comportamento;
  • 39% sentiram um estado de dissociação ou irrealidade;
  • 26% experimentaram pensamentos introspectivos;
  • 21% experimentaram distorções visuais, auditivas e de memória;
  • 17% perceberam o tempo transcorrer em velocidade maior que a verdadeira;
  • 7% experimentaram uma paralisia temporária (“congelamento”).
Portanto, esteja certo de que você também passará por experiências semelhantes.
A questão da concentração no evento e no alvo é tão importante que o desempenho do policial pode melhorar ou piorar em razão do local onde seus olhos e sua atenção estão focados durante o confronto. É o que afirma o Dr. Bill Lewinski, professor da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.
Sua pesquisa estabeleceu um paralelo entre a fixação do olhar e da atenção de grupos distintos de policiais (os de grupos táticos ou mais experientes e os convencionais ou novatos) durante conflitos armados. O cenário simulava o interior de uma embaixada, onde o policial, designado para prestar serviços de segurança, foi previamente informado sobre um possível tiroteio no local. Dois atores interpretavam uma funcionária e um visitante (que irritado com o atendimento iniciava uma discussão). O visitante, de costas para o policial, em dado momento se virava para o policial com uma arma ou um telefone celular na mão. As armas do experimento utilizavam a tecnologia Simunition, e monitores especiais avaliavam o movimento dos olhos do policial em conexão com dispositivos instalados no visitante. Desse modo, o pesquisador podia determinar para onde o policial estava olhado em cada seguimento do evento, bem como avaliar o índice de acerto do disparo.
À medida que o evento se tornava mais hostil, os policiais veteranos antecipadamente direcionavam sua atenção para o conjunto braço/mão do suspeito, como se esperassem o pior. Eles aumentavam o percentual de fixação visual para aquele conjunto de 21% no início do evento para 71% nos dois últimos segundos (quando o visitante se virava apontando um objeto para o policial). Durante os disparos, os veteranos direcionavam 86% de sua fixação visual para a mão do suspeito, revelando um notável grau de foco e concentração durante o confronto armado. O estudo explicou que estes policiais tiveram tempo para um período de super concentração, e com isso, seus olhos permaneceram ajustados num local definido do alvo enquanto pressionavam o gatilho. Os policiais novatos não demonstraram a mesma atenção ao conjunto braço/mão do suspeito, e quando ele apontava a arma e disparava, a fixação visual dos novatos era de apenas 33%.
Talvez o mais interessante tenha sido a descoberta de diferenças entre os dois grupos em relação à mudança abrupta da fixação visual antes do disparo da arma. O movimento final dos olhos dos novatos, especialmente entre aqueles que erraram os disparos, ocorreu ao mesmo tempo em que eles tentaram engajar o alvo e apontar a arma. Neste momento crítico, os policiais novatos, em 82% das vezes, deixaram de focar o alvo numa tentativa de olhar para a própria arma, tentando encontrar ou confirmar o alinhamento das miras enquanto apontavam. Com isso, os novatos disparavam sem ver o suspeito, o que contribuiu para o baixo índice de aproveitamento e pelo erro de julgamento quando o suspeito tinha nas mãos apenas um telefone celular no lugar de uma arma de fogo.
O pesquisador propôs a possibilidade de que o treinamento dos policiais novatos tenha contribuído para o baixo desempenho no teste. Isso porque eles aprenderam a focar primeiro a alça de mira, então a massa de mira, e depois o alvo, alinhando os três itens antes de pressionar o gatilho. Obviamente, esse é um processo lento e que demonstrou ser mal sucedido no experimento. Além disso, é impossível focar três elementos que estão em distâncias diferentes. Isso significa que você precisa decidir, preferencialmente antes do conflito, em que elemento vai focar sua visão (na massa, na alça ou no alvo). E se você estiver vendo o aparelho de pontaria de sua arma com clareza, esteja certo de que o alvo, na melhor das hipóteses, se transformará numa imagem indistinta.
Em algum momento do aprendizado e da experiência, os policiais veteranos aprenderam o processo de modo inverso: o foco imediato e predominante é na mão ou arma do suspeito. Com o olhar concentrado ali, estes policiais trazem a arma até sua linha de visada e “enxergam” as miras por meio da visão periférica. Eles possuem a capacidade de perceber para onde a arma está apontada em razão do senso de cinestesia, ou seja, “a capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão.” (Wikipedia, 2011). Em comparação com o processo utilizado pelos policiais novatos, a estratégia de foco no alvo dos veteranos foi simples, mais rápida e eficaz, conforme pontuou o estudo.
Portanto, no seu próximo treino, experimente aplicar a técnica Speed Rock*; apague algumas lâmpadas do estande de tiro; atire rápido trabalhando séries irregulares de 5, 3, 2, 4 disparos; movimente-se para trás, para frente, na diagonal ou lateralmente; concentre-se num ponto específico do alvo, atire sem usar as miras e depois veja se acertou próximo ao local pretendido; observe se sua arma está na linha de visada, sem que tenha usado o aparelho de pontaria; coloque diversos alvos, um ao lado do outro, e dispare em cada um deles sequencialmente para simular um alvo em movimento; treine com a roupa que você usa diariamente.
Sabendo o que esperar, você estará mais preparado para se concentrar na tarefa, sobrepujar seu agressor e vencer o conflito. 
fonte: http://comunidadepolicial.blogspot.com/2011/10/e-assim-que-as-coisas-acontecem.html