quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Campeã brasileira,Yries Pereira troca elite do surfe profissional pela PM do Rio

Soldado do Batalhão de Choque deixou topo do esporte e patrocínio por carreira militar. Na polícia, continua a vida de atleta: é a campeã interna no Super Teste de Aptidão Física, vai disputar mundial de futsal na Holanda e pretende ser a primeira mulher no curso do Bope

Raphael Gomide iG Rio de Janeiro
fonte da imagem: ultimosegundo.ig.com.br
 Campeã brasileira de surfe, Yries Pereira abandonou patrocínio e uma carreira de sucesso na elite do esporte no Brasil, o Super Surfe, pelo sonho de ser militar. Desde o ano passado, ela é soldado da Polícia Militar do Estado do Rio e trabalha no Batalhão de Choque desde o início deste ano.
“Meu sonho de criança era ingressar na carreira militar. Mas eu achava que era incompatível com o esporte, apesar de a disciplina ser a mesma.”
Yries nasceu e cresceu há 30 anos em Ponta da Fruta, em Vila Velha (ES), onde sua casa é separada do mar apenas por 15 metros de pedras. Desde pequena, era atlética. O irmão tinha uma fábrica de pranchas e, aos 7 anos, começou a surfar. Na escola, destacava-se ainda no futebol, vôlei, handebol e basquete.
Seu talento esportivo lhe rendeu ainda duas bolsas de estudos em universidades da cidade-natal: uma tirou Yries da outra, por onde também disputava outros esportes, como aluna-atleta. Fazendo Fisioterapia, Administração ou Educação Física (que concluiu), além do surfe, Yries consagrou-se sete vezes campeã estadual de Beach Soccer, disputou o Brasileiro de Futebol Feminino pela seleção do Espírito Santo e jogou três vezes futsal nos Jubs (Jogos Universitários Brasileiros).
Mas no surfe seu talento sobressaía, e 2002 foi o ano-chave. Após vencer as duas primeiras etapas do circuito nacional de surfe feminino amador, foi convocada para a seleção brasileira que disputaria os ISA Games, principal Campeonato Mundial Amador por Equipes, na África do Sul. Até o fim do ano, tinha vencido cinco das seis etapas e se sagrou campeã brasileira amadora.
No fim do ano, profissionalizou-se no surfe, embora competisse ainda em futebol e em diversas provas de atletismo pela Universidade de Vila Velha (UVV), que bancou sua viagem à África. Passou a integrar a elite do surfe nacional feminino, o Super Surfe, com as 16 melhores profissionais do País, ao se classificar nos Super Trials, a triagem. Nos oito anos que permaneceu na categoria, Yries ficou sempre entre as oito primeiras, e sua melhor posição no ranking foi terceiro lugar.
“Eu tinha ‘adesivo no bico’ da prancha (patrocinador que pagava salário, roupas, pranchas e despesas de viagem no Brasil”, contou. Até o começo de 2011, o “adesivo no bico” lhe rendia R$ 4,5 mil, R$ 5 mil mensais à época.
“O surfe é um esporte glamouroso. Dá para se manter”, diz. Foi por anos garota-propaganda de uma marca de roupas de surfe no Estado. “Aparecia nos outdoors, saía nos jornais direto. Todo mundo me conhecia em Vila Velha e Vitória”, ri, lembrando da “fama”.
Entretanto o patrocínio não era suficiente para custear a eventual participação no circuito mundial, que poderia ter condições técnicas de disputar. Viajou para competir só ao Peru, Equador, África do Sul e conhece o Brasil “de ponta a ponta”. Nas férias, ia a Punta Hermosa, “pico” de “altas ondas” no Peru. No Brasil gostava de Ubatuba (SP) ou Joaquina (SC).
Disputou o Pan-Americano de surfe pela equipe nacional e perdeu o ouro individual “na última onda”. “Fiz uma interferência na onda da adversária.” Mas a equipe brasileira foi ouro.
"Enjoei"
“Enjoei (de competir) e abandonei o Super Surfe. Tinha obrigação de vencer sempre, muita pressão. Prefiro hoje o free surfe, surfar a hora que quero. Não ter de surfar de qualquer jeito, om frio, calor, com e sem vento e onda. Abriu concurso para a PM e me interessei e comecei a estudar.”
Aos 27 anos, fez concurso para a PM do Estado natal e ficou na suplência. Em seguida, candidatou-se para o Rio. “Tinha concurso para São Paulo, Minas Gerais e Rio. Mas aqui tinha mar e era a minha preferência. Quando vim, senti a vibração e decidi: é aqui que quero ficar”, lembra.
Por morar no Espírito Santo, esperou dois anos para a corporação fazer a “pesquisa social” (análise da vida pregressa do candidato) e dar o “nada consta”. Incorporou-se no Cefap (Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças) da PM em 31 de janeiro de 2011, no 3º Pelotão da 4ª Cia Alfa.
Passou a morar no alojamento de soldados em Sulacap, bairro 30km distante do Centro do Rio e, durante os sete meses e meio de formação, foi para casa só uma vez por mês.
Após formada, sua primeira missão foi na UPP do Morro dos Macacos . Mas seus objetivos eram mais operacionais.
Para entrar no Choque, muro de 2,60m e 100m carregando 65kg em 40 seg
Quando pôde, concorreu e foi aprovada para fazer o Curso de Controle de Distúrbios, do Choque.
Na seleção para entrar no curso, competiu com homens. Teve de subir 6 metros de corda, pular muro de 2,60m de altura, correr 10km em 1h nas Estrada das Paineiras (junto à Mata Atlântica, onde há ladeiras) e correr 100 metros em 40 segundos, carregando uma carga de 65kg nas costas.
Nunca antes uma mulher tinha conseguido participar do curso do Choque. Aprovada, raspou a cabeça com máquina 2 e se juntou à turma.
Cabelão raspado
“Que mulher rasparia o cabelo para entrar em qualquer batalhão? A máquina 2 para mulher é como se fosse máquina zero... Meu cabelo ia até a bunda. Raspei para vibrar, participar. Depois de sete meses, só cresceu isso, demora. Sofri uma lesão no tornozelo e tive de pedir para sair na segunda semana dos 45 dias de curso. Mas vou raspar de novo porque vou completar o curso”, disse.
Apesar de não completar o curso, entrou para a unidade de elite ao lado da soldado Jane, sua companheira desde os primeiros dias de PM. Não foi à toa que as duas conseguiram. Na corporação, continua como atleta. Já no Cefap, disputaram o Super TAF (Teste de Aptidão Física, competição interna), em que Yries foi campeã entre as alunas. Há duas semanas, a ex-surfista foi campeã Super TAF de toda a PM, entre as mulheres.
Atualmente trabalha na seção de Educação Física do Batalhão de Choque e continua a competir no surfe de forma amadora no Espírito Santo, onde já foi campeã estadual sete vezes. A atual fera do surfe nacional, Bárbara Segato, é também capixaba e frequenta sua casa “desde bebê”.
Também está organizando, ao lado do cabo dos Anjos – também do Choque, que disputou o mundial na Califórnia – o campeonato de surfe da PM, em 10 de novembro, em Grumari.
Vai concorrer contra os homens, como já fez outras vezes na carreira – e venceu. É possível que o campeonato seja estendido também aos “co-irmãos” Corpo de Bombeiros e Polícia Civil. “Não queremos fazer para ganhar, mas para levantar o nome da PM e do surfe.”

domingo, 2 de setembro de 2012

Um estupro é um estupro

DIREITO PENAL COMPARADO
fonte da imagem: http://marifuxico.blogspot.com.br/2011_12_13_archive.html

Carlos Alberto Marchi de Queiroz e
Luiz Carlos Marchi de Queiroz

Causou repercussão mundial a afirmação do senador republicano Todd Akin ao dizer que um estupro legítimo, “legitimate rape”, raramente resulta em gravidez. As declarações do parlamentar provocaram centenas de críticas na internet principalmente por mulheres ofendidas com tais afirmações e também por organizações de direitos humanos. O presidente Barack Obama, à página B7 do Correio Popular de 21 de agosto, afirmou, veementemente, que “um estupro é um estupro, e a ideia de que devemos analisar e classificar de que tipo de estupro se trata não faz sentido.”
O senador Todd Akin declarou que lhe parecia “conforme soube por médicos, que a gravidez resultante de estupro é rara”, uma vez que “se ele é um estupro legítimo (legitimate rape), o corpo feminino tem formas de se fechar para isso.”
Tentando reparar suas declarações, completou dizendo que “vamos pensar que isso (a suposta defesa natural da mulher) não funcione, eu acredito que deve existir punição, mas a punição tem que ser ao estuprador e não à criança.”
O senador Akin, partidário do candidato Mitt Romney, pertencente ao Partido Republicano segue a mesma linha de pensamento do candidato presidencial que se posiciona como contrário ao aborto, ainda que a gravidez seja resultante de um estupro.
Até há pouco tempo, o estupro era definido, no Brasil, como coito vagínico violento e não consentido. Porém, o artigo 213 do Código Penal, em vigor, ampliou essa definição uma vez que o legislador suprimiu o crime de atentado violento ao pudor, que era toda prática libidinosa diferente da conjunção carnal.
Em linhas mais simples, nos dias que correm, um beijo roubado ou uma simples apalpadela, seja o criminoso um homem ou uma mulher, configuram crime de estupro.
Não obstante, o artigo 128, I e II, do Código Penal, em vigor desde 1º de janeiro de 1942, não pune o aborto provocado por médico, se não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante, ou quando incapaz, de seu representante legal.
Não estamos, no presente caso, tratando de aborto de anencéfalos, assunto que tem causado grande discussão no País, e ainda dependente de processo legislativo adequado, que poderá ou não inserir um inciso III no corpo do artigo 128 do Código Penal.
Nos Estados Unidos, as 51 unidades da União funcionam como países independentes, daí o nome Estados Unidos da América, o que significa que cada um dos estados norte- americanos possui códigos penais e códigos de processo diferentes, tanto que, como se verifica através da mídia, existem estados que não admitem a pena de morte, enquanto que outros aprovam a aplicação da pena capital.
A atual redação do artigo 213 do Código Penal brasileiro, pela sua amplitude redacional, tem provocado situações curiosas, uma vez que um atrevimento masculino ou feminino, inicialmente considerado pela polícia judiciária como crime de estupro, pode vir a ser desclassificado, em juízo, para a contravenção de importunação ofensiva ao pudor e que resultará no pagamento de uma cesta básica ou na prestação de serviços à comunidade, caso o acusado,condenado, seja primário e de bons antecedentes.
Os sistemas penal e processual penal norte-americanos são diferentes entre si e totalmente diferentes do sistema brasileiro, de sorte que a expressão “legitimate rape” pode constar da jurisprudência ianque, a tal ponto que levou o político republicano a fazer afirmação tão estapafúrdia.
Aliás, o termo “legitimate rape” é utilizado quando o acusado consegue provar que a mulher consentiu com a relação sexual, de acordo com os mais comezinhos princípios de lógica jurídica.
Duvidamos que as mulheres possuam  uma defesa biológica contra o estupro, a tal ponto que a sábia redação do artigo 128, I e II, do nosso Código Penal admite, há mais de setenta anos, a possibilidade da mulher violentada optar pelo aborto humanitário.
A tese do estupro legítimo, ou legal, defendida pelo senador Todd, constitui, ao mesmo tempo, uma tremenda aberração médico-jurídica.

                                                           Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e 
Luiz Carlos Marchi de Queiroz é médico.