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segunda-feira, 9 de abril de 2018

CRIMES POLÍTICOS E CRIMES FEDERAIS


INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA
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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
O Correio Popular, de 29/3, A14, noticiou, após os tiros desfechados contra a caravana de Lula, afirmação do ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, que revelou que “ a Polícia Federal não irá investigar o caso dos tiros porque o crime não foi federal (sic) e cabe às autoridades estaduais atuar”.
O Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, no mesmo dia, após entrevistar o secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, general de brigada Richard Nunes, noticiou, equivocadamente, que aquela alta autoridade encontrara indícios de crime político na morte da vereadora Marielle Franco.
Durante um bom tempo, após a morte do prefeito de Campinas Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT,  escreveu-se, à saciedade, que o alcaide havia sido vítima de  crime político, quando  vítima de um crime comum, cujos suspeitos, após o oferecimento da denúncia foram exculpados.  Sua esposa, inclusive, durante muito tempo,  tentou, sem sucesso, obter a federalização das investigações baseada na tese de que seu marido havia sido vítima de um crime político.
É de  grande interesse, teórico e prático, informar ao leitor que existe uma separação doutrinária entre crimes comuns e crimes políticos, distinção muito antiga que tem se mantido através da passagem da História.  Doutrinadores encontraram muitas dificuldades em chegar a um conceito uniforme do crime político.
O elemento predominante no seu conceito é sempre o motivo político, envolvendo planos de reforma política ou de revolução. Nesse particular, os doutrinadores entendem que os crimes políticos podem ser de duas espécies. O primeiro é o crime político puro, de caráter exclusivamente político. São  crimes de opinião. Por sua vez, crimes políticos relativos são  condutas que ofendem, ao mesmo tempo, uma situação política e um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal comum. É  crime de opinião  com desfecho sangrento.
A importância do conceito de crime político puro transcende o Direito Penal comum e interno dos países democráticos a tal ponto que a maioria dos tratados e pactos internacionais não admite a extradição de criminosos políticos. Enfim, o crime político é um crime de opinião, jamais um crime de sangue, consumado ou tentado.
 A título de ilustração, foram criminosos políticos no Brasil do século 20 o atual senador José Serra, o jornalista Fernando Gabeira, Betinho, o irmão do Henfil, e o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, que permaneceram exilados no Exterior até a concessão da anistia pelo então presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo.
Ao afirmar que os tiros disparados contra um dos três ônibus da caravana, no Paraná,”não serão investigados pela Polícia Federal porque o crime não foi federal”, o ministro confunde os brasileiros em geral, não acostumado ao juridiquês e a tecnicismos. No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, não existem crimes federais, estaduais e municipais no ordenamento jurídico. Por mais bizarro que possa parecer ao amável leitor,  todos os crimes brasileiros são federais!!!   Desde 1930, os Estados e o Distrito Federal são proibidos de legislar em matéria penal, competência exclusiva da União, nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal. Antes de 1930, todas as unidades federativas podiam ter seus próprios códigos. Na época o País chamava-se Estados Unidos do Brasil !!! Uma cópia  da Constituição dos EUA de 1878, até hoje em vigor, foi feita por Rui Barbosa.
A assertiva de  Jungmann, ex- parlamentar federal,  que deveria entender mais de processo legislativo regular, e que pode gerar dúvidas na mente dos brasileiros, provoca-nos o desejo de esclarecer ao paciente leitor que existe uma divisão de trabalho entre a justiça comum federal e as justiças comuns estaduais.
A justiça comum federal julga  crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas. Desse contexto são excluídas as contravenções penais, sempre julgadas pela justiça estadual, ainda que haja interesse da União, como prevê o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal e da Súmula 381 do STF.
É por isso que a Polícia Federal, e não a Polícia Civil de Campinas, está investigando o roubo de 5 milhões de dólares acontecido dentro  do Aeroporto Internacional de Viracopos em passado recente. Caso seus autores sejam descobertos, serão denunciados por procurador da República junto a uma das varas federais de Campinas, competentes para o julgamento do surpreendente e cinematográfico assalto. O incidente com Lula terá igual desfecho processual. Trocando em miúdos, Jungmann quis dizer que esse caso não é atribuição da Polícia Federal e, muito menos, da competência da Justiça Federal para julgamento.
Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

INQUÉRITO POLICIAL PRESIDENCIAL

Processo Penal

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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
Quem diria que um dia um presidente da República Federativa do Brasil seria indiciado em inquérito policial, intimado por telefone por uma escrivã de polícia, interrogado mediante questionário, com direito a permanecer calado, passar à condição de réu em ação penal, após relatado o procedimento, acusado de prática de corrupção passiva no exercício do cargo em denúncia  encaminhada à Câmara Federal pela presidente do STF, e notificado formalmente da imputação pelo presidente da  Casa?
Nunca antes, na história deste País, parafraseando famoso réu da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba, um ocupante da curul máxima do Poder Executivo, presidente da Terra Papagalorum , havia sido submetido a uma rigorosa investigação, presidida pelo STF, auxiliado pela Polícia Federal, e acompanhada por procuradores da República.
 Ainda era garoto, de dez anos, matriculado no quarto ano do curso primário, hoje quinta série do ensino fundamental, quando, na manhã de 24 de agosto de 1954, o diretor do grupo escolar, em Araraquara, entrou de supetão na sala de aula.  Cochichou, antes que nós ficássemos em pé, algo no ouvido da professorinha, saindo rapidamente. A mestra, adolescente, dirigindo-se à classe, disse, com tristeza: “Vão todos para casa. As aulas estão suspensas. O ’Bom Velhinho’ morreu. Até amanhã.”
Anos depois entendi as razões do ato extremo do presidente Vargas, que, forçado a licenciar-se do cargo pelas Forças Armadas, e na iminência de vir a ser indiciado em inquérito policial militar, instaurado na Base Aérea do Galeão, para apurar a morte de um top gun da FAB, deu um tiro de Colt, calibre 32, no peito, dentro do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, Distrito Federal, então.
Dias antes, em 5 de agosto, o major-aviador Rubens Florentino Vaz, herói nos céus  da Itália, piloto dos mortíferos Thunderbolt, P 47 D, do 1º Grupo de Aviação de Caça, o “Senta a Pua”, morrera num atentado na Rua Tonelero, 180, em Copacabana, do qual saiu ferido, no pé, o jornalista Carlos Lacerda. Foram emboscados por pistoleiros de aluguel, a serviço de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio. O suicídio comoveu a Nação, tanto quanto a morte de Ayrton Senna, em 1º de maio de 1994.
O inquérito policial, criação brasileira, é procedimento administrativo de natureza judiciária, presidido por delegado de polícia, estadual ou federal, destinado a investigar a materialidade e a autoria de crimes de médio ou grande potencial ofensivo, pois infrações penais de bagatela são apuradas pelos Juizados Especiais Criminais, desde 1999.
 Poderoso instrumento de busca da verdade real, existe desde 31 de janeiro de 1842, quando Dom Pedro II iniciava seu longo reinado. Remodelado em 1871, ainda como lei especial, o inquérito policial foi incorporado pelo Código de Processo Penal, de 7 de dezembro de 1940, do artigo 4º ao 23. Antes de 1842, a apuração das infrações penais era feita exclusivamente por juízes criminais. Magistrados presidiam devassas, de origem portuguesa, como a que indiciou Tiradentes.  Porém, muito preocupados com o crescimento da violência, os juízes criminais resolveram criar para si os delegados criminais, hoje delegados de polícia. Também, o inquérito policial. Porém, reservaram para si casos especialíssimos, envolvendo pessoas muito importantes, como Temer, cujas investigações são presididas pelo ministro Luiz Edson Fachin, do STF, auxiliado por delegados e agentes da Polícia Federal, acompanhadas por procuradores da República coadjuvantes, nunca protagonistas da histórica apuração policial judiciária.
O inquérito policial VIP, privilégio cartorial que protege Michel Temer, calcado nos princípios “the king can do no wrong”, “le roi ne peut mal faire”,  e, igualmente, no dogma bíblico “rex non potest peccare”, chegou ao Brasil com Cabral, o das caravelas. Decorridos quinhentos anos, essa franquia poderá continuar vigorando por muito tempo, caso não ocorra uma reforma constitucional no sentido que acabar, de vez, com o imoral foro privilegiado, deixando os processos criminais nas mãos exclusivas de juízes togados, à semelhança de muitos países do hemisfério norte.
 Todavia, a blindagem de foro não se esgota aqui. Recebido o inquérito policial presidencial pelo ministro do STF, os autos foram enviados ao Procurador-Geral da República. Rodrigo Janot, ofereceu denúncia que, nos termos da cabeça do artigo 86 da Constituição Federal, poderá, ou não, ser agora admitida pela Câmara Federal, cuja terça parte é  investigada ou ré na Suprema Corte. Só depois o STF, composto por ministros nomeados pela Presidência, poderá receber, ou rejeitar, a inicial acusatória. Não se sabe, ainda, se haverá, ou não, ação penal presidencial. O processo penal avançou muito pouco no Brasil. As instituições continuam funcionando normalmente, dizem os políticos. Será?
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.