segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Policiais perdem confiança no armamento após casos de pistolas que disparam sozinhas

Desde dezembro, já ocorreram sete casos de policiais atingidos por disparos involuntários das próprias armas, em Ribeirão Preto
13/10/2013 - 15:39
Jornal A Cidade- Jose Manuel Lourenço
Os ferimentos causados por disparos involuntários das próprias armas, que esta semana feriram com gravidade um investigador da Polícia Civil de Ribeirão Preto e atingiram na perna um soldado da Polícia Militar, não são casos isolados. Um levantamento informal feito por um integrante da Polícia Militar de Ribeirão Preto no Estado revelou que, entre os dias 1º e 6 do mês passado, oito “maikes” foram alvejados pelas próprias armas, que teriam disparado sozinhas. A expressão é uma gíria interna para a sigla da corporação no alfabeto fonético internacional (Papa Mike).
Em Ribeirão Preto, desde dezembro do ano passado, sete policiais já teriam sido atingidos por armas que disparam sozinhas. À exceção de um caso, que envolveu uma carabina CT30, os demais policiais atingidos utilizavam modelos PT 24/7 e PT 640, fabricados pela empresa gaúcha Forjas Taurus S/A.
Por isso, entre os integrantes das forças de segurança a PT 24/7 ganhou o apelido nada carinhoso de “24 falha 7”. No Rio de Janeiro, os integrantes do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) também têm um nome próprio para a arma, feita de polímero (tipo de plástico): “barbie derretida”.
Os problemas com a PT 24/7 (usada em grande parte pela PM) e a PT 640 chegaram ao ponto de a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo ter de fazer um gigantesco recall, entre abril e setembro deste ano. No total, 77 mil armas foram recolhidas nesse período, de acordo com o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Benedito Roberto Meira.
Para se ter uma ideia da dimensão do recall, entre 2003 e 2011, o governo do Estado comprou 79.796 pistolas Taurus PT 24/7 Pro e 19.216 da PT 640. As informações estão presentes no ofício Nº Gab Cmt G-0236/500/13, de 24 de junho deste ano, assinado pelo chefe de gabinete do comandante geral da PM paulista, José Luiz Valentin.
Em Ribeirão Preto, segundo o mesmo integrante da PM, os números das falhas das pistolas, sobretudo a “24 falha 7” são assustadores: em um lote de 400 armas verificadas, nada menos do que 100 apresentaram defeitos.
 

Por que as ‘barbies’ derretem?
Os problemas com as semiautomáticas da Taurus não são pontuais, mas decorrem de um erro de projeto. “Elas não têm problemas, são um problema, uma verdadeira aberração técnica, que tem problemas estruturais. É uma arma que não tem solução”, afirmou o especialista em armamento, Fábio Junqueira.
“Eu fiz testes em armas que vieram do recall e, mesmo assim, continuaram apresentando os mesmos problemas”, completou.
Ele trabalhou durante 15 anos como instrutor de tiro para a polícia nacional do Uruguai, treinou a equipe responsável pela segurança presidencial e implantou o sistema de padronização de treinamento naquele país. No Brasil, é credenciado pelo Exército como atirador e instrutor de tiro.
Em junho, postou um vídeo no You Tube, onde mostra os principais problemas da 24/7. As imagens mostram, entre outros problemas, a arma disparando sozinha - mesmo com a trava de segurança acionada - e travamento do gatilho após pressão nos dois lados da área acima da peça.
Fábio também destaca problemas no sistema de rampeamento (acesso da bala à câmara), balas emperradas e um gatilho com curso muito longo, o que retardaria o tempo de disparo. “Isso [a arma] tem defeitos graves”, disse.
Um dado, segundo Junqueira, mostra por que a semiautomática da Taurus falha tanto. “Para se ter uma ideia, essa arma é composta por cerca de 60 peças. A Glock austríaca, utilizada por várias polícias do mundo, tem menos de 30. Ou seja, as chances de dar problema são menores”, completou. O vídeo dele no You Tube sobre as mazelas da PT 24/7 já teve 66 mil visitas.
Outro vídeo postado pelo especialista no Youtube já teve 11 mil visitas, ao apontar erros em outra arma da Taurus, a submetralhadora SMT40 Famae. A arma também é utilizada pela PM de São Paulo.

Informações
Os problemas com as pistolas da Taurus estão na mira do Poder Legislativo. Desde abril, o deputado estadual e major aposentado da PM, Olímpio Gomes (PDT), investiga os problemas com as armas.
“Estou pedindo ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado uma fiscalização geral para que seja feita a apuração das condições contratuais”, afirmou o parlamentar.
Além disso, o deputado do PDT também defende uma investigação que apure as responsabilidade pelas falhas das armas. “Se elas já vieram com defeito, como é que isso não foi detectado em testes criados para saber se são seguras ou não?”, perguntou.
Segundo Olímpio Gomes, denúncias que ele recebeu de diversos oficiais da Polícia Militar dão conta que, de cada 30 armas testadas, entre sete 3 10 apresentaram problemas. A margem de erro fica ligeiramente acima da registrada em Ribeirão Preto.
 
Manutenção ruim também explica defeitos


O armeiro ribeirão-pretano Calixto Teixeira Júnior, de 55 anos, concorda que a PT 24/7 tem problemas, sobretudo em uma peça interna que impede disparos acidentais. Mas ele também sustenta que grande parte dos disparos acidentais pode estar ligado a uma “tradição” na polícia brasileira: a falta de manutenção das armas, por parte dos policiais.
“Isso aqui é uma máquina, como um carro. Tem de trocar o óleo, verificar os freios, tudo isso para que funcione sempre bem. Senão, quebra”, contou.
Ele disse já ter consertado armas que estavam sem manutenção há mais de dez anos, com parte enferrujadas, corroídas pelo ácido úrico e com munição sem condições de uso. “Se o policial tiver de usar uma armas dessas, corre perigo porque não dispara”, completou.
Dono de um estabelecimento de venda e reparos de armas e há 25 anos trabalhando como armeiro, ele disse que uma possível explicação para os defeitos das armas pode estar em uma determinação das duas polícias.
“Tanto a PM quanto a Civil pedem para que os seus homens trabalhem com as armas com munição na câmara e com a trava de segurança acionada, por causa da necessidade de uma resposta rápida em caso de confrontos”, disse.
Segundo ele, a falta de uso - associada à baixa manutenção do equipamento - acabam por aumentar a possibilidade de falha das armas.

Armas custaram mais de R$ 170 milhões
A Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública não informou quanto o contribuinte paulista pagou na compra dos dois modelos da Taurus - que apresentaram problemas. No entanto, o jornal apurou que esse valor pode ser, no mínimo, de R$ 170 milhões.
O número foi encontrado na multiplicação entre a quantidade de armas informada pela PM à Assembleia Legislativa (99.012), em junho deste ano, e o valor unitário de cada modelo, presente em contratos publicados no Diário Oficial do Estado.
No caso da PT 640, um contrato de 10 de julho de 2007 indica um preço unitário de R$ 1.670. No mesmo contrato, a PT 24/7 conta com preço unitário de R$ 1.725.
A venda das armas ao Estado é feita sem licitação, de acordo com a lei federal 8.666/93. A ausência de concorrência é explicada pelo fato de só a Taurus atender às especificações de armas apresentadas pelo governo do Estado.

Polícia Militar e Taurus dão meias-respostas
A empresa Forjas Taurus S/A e as polícias Civil e Militar do Estado responderam evasivamente às questões enviadas pelo jornal.
A Taurus disse que quando recebe informações de problemas, “imediatamente aciona a sua manutenção técnica”, o que aconteceu no estado de São Paulo.
Já a PM informou apenas que pediu a substituição de um lote inteiro de armas, sem informar a quantidade.
No dia 25 de setembro, o jornal enviou 14 questões à Taurus e 16 à PM. Entre elas, o jornal perguntava o que explicava os problemas com as armas, quantos policiais já haviam sido atingidos por disparos das próprias armas, quanto custaram, quantas estão em uso, se os consertos tinham custos e se, tanto a PM como a Taurus, tinham conhecimento de problemas com a submetralhadora Famae. Nenhuma questão foi respondida.




 

sábado, 12 de outubro de 2013

Maior investigação da história do crime organizado denuncia 175 do PCC

Ministério Público fez um raio X do Primeiro Comando da Capital e pediu à Justiça a internação de 32 chefes no Regime Disciplinar Diferenciado

11 de outubro de 2013 | 2h 00
 
 

Marcelo Godoy - O Estado de S.Paulo
Depois de três anos e meio de investigação, o Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo concluiu o maior mapeamento da história do crime organizado no País, com um raio X do Primeiro Comando da Capital (PCC). Por fim, denunciou 175 acusados e pediu à Justiça a internação de 32 presos no Regime Disciplinar Diferenciado - entre eles, toda a cúpula, hoje detida em Presidente Venceslau.
 
O MPE flagrou toda a cúpula da facção em uma rotina interminável de crimes. Ela ordena assassinatos, encomenda armas e toneladas de cocaína e maconha. Há planos de resgate de presos e de atentados contra policiais militares e autoridades. O bando faz lobby e planeja desembarcar na política.
 
Presente em 22 Estados do País e em três países (Brasil, Bolívia e Paraguai), a "Família" domina 90% dos presídios de São Paulo. Fatura cerca de R$ 8 milhões por mês com o tráfico de drogas e outros R$ 2 milhões com sua loteria e com as contribuições feitas por integrantes - o faturamento anual de R$ 120 milhões a colocaria entre as 1.150 maiores empresas do País, segundo o volume de vendas. Esse número não inclui os negócios particulares dos integrantes, o que pode fazer o total arrecadado por criminosos dobrar.
 
A principal atividade desenvolvida pela facção é tráfico de drogas. Chamado de Progresso, prevê ações no atacado e no varejo. No último, a facção reunia centenas de pontos de venda espalhados pelo País. Eles são chamados de "FM". No caso da cocaína, os bandidos mantêm um produto de primeira linha, o "100%" e o "ML", que é a droga batizada, de segunda linha. A maconha é designada nas conversas com o nome de Bob Esponja. A droga do PCC vem do Paraguai e da Bolívia. Os três principais fornecedores de drogas para o PCC seriam o traficante paraguaio Carlos Antonio Caballero, o Capilo, e os brasileiros Claudio Marcos Almeida, o Django, Rodrigo Felício, o Tiquinho, e Wilson Roberto Cuba, o Rabugento.
 
Arsenal. O bando tem um arsenal de uma centena de fuzis em uma reserva de armas e R$ 7 milhões enterrados em partes iguais em sete imóveis comprados pela facção. Ao todo, o grupo tem 6 mil integrantes atrás das grades e 1,6 mil em liberdade em São Paulo. Esse número sobe para 3.582 em outros Estados - somando os membros ativos e inativos, além dos punidos e os que não têm mais cargos ou participação em atividades mantidas pela facção.
A denúncia do MPE foi assinada por 23 promotores de Justiça de todos os Gaecos de São Paulo. O MPE fez ainda um pedido à Justiça de que seja decretada prisão preventiva de 112 dos acusados. Todos os suspeitos listados pelo MPE foram flagrados conversando em telefones celulares, encomendando centenas de quilos de cocaína, toneladas de maconha, fuzis, pistolas, lança-granadas e determinando a morte de desafetos, traidores e suspeitos de terem desviado dinheiro da Família. Deixam, assim, claro que atuam segundo o princípio de que "o crime fortalece o crime". Dezenas de telefonemas relatando pagamento de propinas, principalmente a policiais civis, mas também a PMs, fazem parte da investigação.
A Justiça de Presidente Prudente se negou a decretar a prisão de todos os acusados, sob o argumento de que seria necessário analisar mais detidamente as acusações. O mesmo argumento foi usado pela Vara das Execuções Criminais, que indeferiu o pedido de liminar feito pelo MPE para internar toda a cúpula da facção no RDD da Penitenciária de Segurança Máxima de Presidente Bernardes. O juiz Tiago Papaterra decidiu verificar caso a caso a situação dos detentos, antes de interná-los.