segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O celular e a Santa Missa

Comportamento
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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
Os fatos  narrados aconteceram durante a missa das nove da manhã,  da Igreja de Santa Rita de Cássia, no bairro da Nova Campinas, no último domingo de inverno deste ano.
O magnífico templo octogonal estava claro. O sol da manhã penetrava, forte, pelos vitrais coloridos, do lado leste, iluminando os rostos das crianças e  adolescentes, obras de arte retratadas pelo artista polonês Arystarch Kaszhuewicz.
As donzelas eternizadas em vidro eram filhas de magnatas. Moradores da urbanização planejada pela companhia City, de São Paulo. Eles se dobraram diante  do padre Francisco de Assis Marques de Almeida, o carismático Padre Chiquinho, a quem a Igreja Católica deve a construção do local sagrado.
Dina, minha mulher, e eu, logo após entrarmos, ocupamos um banco vazio, bem no meio do lado direito da nave central. À nossa frente, sentada, Brasilina Krizak, amiga de longa data. Mais à frente, noutro banco, também esperando  o início da celebração,  Antônio José Teixeira Mendes Filho, o Tonzé, dono do primeiro Mustang, 65, hard top, azul, de Campinas. Fez  furor entre as mocinhas.
À  direita, no banco ocupado pela Brasilina, divisei um rapaz, alto para os padrões brasileiros. Vestia bermuda e camiseta de algodão, de gola careca, brancas. Caucasiano,  cabelos curtos, corte militar,  castanhos escuros, barba e bigode aparados, tinha aspecto higiênico.
Percebi,  após a entrada do padre oficiante, que a todos cumprimentou com  largo sorriso, antes do ato penitencial, do cântico do hino de louvor e da oração, quando o moço sacou um objeto escuro de dentro do bolso direito da bermuda.
Treinado durante décadas em gerenciamento de crises, delegado de polícia de ofício, mesmo aposentado, pensei tratar-se de minúscula pistola automática Beretta, 6,35 mm, ou  Walther PPK. Felizmente era  um smart phone, desses imensos, de  conhecida marca  sul coreana, com tela negra e moldura niquelada,  parecendo um picolé asteca, uma paleta mexicana.
Passei a observá-lo, atentamente. Durante a Primeira Leitura, o Salmo  Responsorial e a Segunda Leitura os olhos do rapagão não abandonaram a tela, agora acesa, do aparelho.  Aninhando-o, carinhosamente, na palma da mão esquerda, com o indicador da mão direita, fez passar, de cima para baixo, fotos, textos, filmetes, notícias, enquanto os ministros da leitura se esfalfavam em transmitir aos fiéis passagens bíblicas daqueles três importantes momentos litúrgicos.
Veio então a leitura do Evangelho pelo celebrante. O jovem continuou mergulhado  no seu mundo de fantasia tocando a tela  em busca de novidades. O  padre Carlos, apesar de sua vibrante homilética, não comoveu o mancebo que seguiu com os olhos grudados no  smart phone. Comecei a perder a paciência. Tive ganas de acabar com aquele sacrilégio. Meus antecedentes de aprendiz de coroinha, de cruzado e de congregado mariano, impediram-me de cometer qualquer tipo de pecado, venial, capital ou penal canônico. Pensei em interpelá-lo, mas meu superego, minha censura, sobrepôs-se ao id, evitando incidente de maiores proporções.
Então, vieram a profissão de fé, o Credo, e a oração da comunidade, que passaram batidas para o mocetão, que não estava nem aí  com a celebração que rolava ao seu redor. Esperei, com ansiedade, a liturgia eucarística, o cântico das oferendas, quando os ministros da coleta foram, de banco em banco, até os fiéis, com suas cestinhas, em busca de  óbulos.
Meditei, então, com meus botões: ‘ Vai ver que ele agora vai colocar um bit coin na cesta ou fazer uma transferência eletrônica para o Banco do Vaticano’. Mas, nada de esmola! Aguardei, ansiosamente, o Pai-Nosso. O rapaz  não desgrudou do  celular durante a oração. Nem pegou na mão da Brasilina, que estava ao lado!!! Muito menos, durante a fração do pão!!!
De repente, desapareceu. Fora receber a hóstia consagrada no altar, a nordeste, deixando o celular e um chaveiro sobre o banco envernizado , completamente vazio com a ida da Brasilina até um  dos ministros da comunhão.  Pensei em surrupiar o smart phone. Não cheguei à consumação por dois motivos: furtar é pecado sancionado pelo Sétimo Mandamento  e pelo artigo 155 do Código Penal. O Cântico da Comunhão  aliviou-me . Não tive coragem de estragar a devoção do jovem!!!
 Não sou contra a tecnologia, mas a favor do detox para adictos em celular.  Numa época em que a Igreja Católica admite a vela virtual,  penso seriamente em escrever ao Papa Francisco pedindo que implante, mediante bula, a comunhão virtual para  intoxicados em smart phones. Bastaria que eles, no momento da Comunhão, lambessem a tela do celular, economizando a ida  ao altar para receber a hóstia consagrada.
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito pela Fadusp e membro da Academia Campinense de Letras.