quarta-feira, 5 de julho de 2017

INQUÉRITO POLICIAL PRESIDENCIAL

Processo Penal

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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
Quem diria que um dia um presidente da República Federativa do Brasil seria indiciado em inquérito policial, intimado por telefone por uma escrivã de polícia, interrogado mediante questionário, com direito a permanecer calado, passar à condição de réu em ação penal, após relatado o procedimento, acusado de prática de corrupção passiva no exercício do cargo em denúncia  encaminhada à Câmara Federal pela presidente do STF, e notificado formalmente da imputação pelo presidente da  Casa?
Nunca antes, na história deste País, parafraseando famoso réu da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Curitiba, um ocupante da curul máxima do Poder Executivo, presidente da Terra Papagalorum , havia sido submetido a uma rigorosa investigação, presidida pelo STF, auxiliado pela Polícia Federal, e acompanhada por procuradores da República.
 Ainda era garoto, de dez anos, matriculado no quarto ano do curso primário, hoje quinta série do ensino fundamental, quando, na manhã de 24 de agosto de 1954, o diretor do grupo escolar, em Araraquara, entrou de supetão na sala de aula.  Cochichou, antes que nós ficássemos em pé, algo no ouvido da professorinha, saindo rapidamente. A mestra, adolescente, dirigindo-se à classe, disse, com tristeza: “Vão todos para casa. As aulas estão suspensas. O ’Bom Velhinho’ morreu. Até amanhã.”
Anos depois entendi as razões do ato extremo do presidente Vargas, que, forçado a licenciar-se do cargo pelas Forças Armadas, e na iminência de vir a ser indiciado em inquérito policial militar, instaurado na Base Aérea do Galeão, para apurar a morte de um top gun da FAB, deu um tiro de Colt, calibre 32, no peito, dentro do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, Distrito Federal, então.
Dias antes, em 5 de agosto, o major-aviador Rubens Florentino Vaz, herói nos céus  da Itália, piloto dos mortíferos Thunderbolt, P 47 D, do 1º Grupo de Aviação de Caça, o “Senta a Pua”, morrera num atentado na Rua Tonelero, 180, em Copacabana, do qual saiu ferido, no pé, o jornalista Carlos Lacerda. Foram emboscados por pistoleiros de aluguel, a serviço de Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio. O suicídio comoveu a Nação, tanto quanto a morte de Ayrton Senna, em 1º de maio de 1994.
O inquérito policial, criação brasileira, é procedimento administrativo de natureza judiciária, presidido por delegado de polícia, estadual ou federal, destinado a investigar a materialidade e a autoria de crimes de médio ou grande potencial ofensivo, pois infrações penais de bagatela são apuradas pelos Juizados Especiais Criminais, desde 1999.
 Poderoso instrumento de busca da verdade real, existe desde 31 de janeiro de 1842, quando Dom Pedro II iniciava seu longo reinado. Remodelado em 1871, ainda como lei especial, o inquérito policial foi incorporado pelo Código de Processo Penal, de 7 de dezembro de 1940, do artigo 4º ao 23. Antes de 1842, a apuração das infrações penais era feita exclusivamente por juízes criminais. Magistrados presidiam devassas, de origem portuguesa, como a que indiciou Tiradentes.  Porém, muito preocupados com o crescimento da violência, os juízes criminais resolveram criar para si os delegados criminais, hoje delegados de polícia. Também, o inquérito policial. Porém, reservaram para si casos especialíssimos, envolvendo pessoas muito importantes, como Temer, cujas investigações são presididas pelo ministro Luiz Edson Fachin, do STF, auxiliado por delegados e agentes da Polícia Federal, acompanhadas por procuradores da República coadjuvantes, nunca protagonistas da histórica apuração policial judiciária.
O inquérito policial VIP, privilégio cartorial que protege Michel Temer, calcado nos princípios “the king can do no wrong”, “le roi ne peut mal faire”,  e, igualmente, no dogma bíblico “rex non potest peccare”, chegou ao Brasil com Cabral, o das caravelas. Decorridos quinhentos anos, essa franquia poderá continuar vigorando por muito tempo, caso não ocorra uma reforma constitucional no sentido que acabar, de vez, com o imoral foro privilegiado, deixando os processos criminais nas mãos exclusivas de juízes togados, à semelhança de muitos países do hemisfério norte.
 Todavia, a blindagem de foro não se esgota aqui. Recebido o inquérito policial presidencial pelo ministro do STF, os autos foram enviados ao Procurador-Geral da República. Rodrigo Janot, ofereceu denúncia que, nos termos da cabeça do artigo 86 da Constituição Federal, poderá, ou não, ser agora admitida pela Câmara Federal, cuja terça parte é  investigada ou ré na Suprema Corte. Só depois o STF, composto por ministros nomeados pela Presidência, poderá receber, ou rejeitar, a inicial acusatória. Não se sabe, ainda, se haverá, ou não, ação penal presidencial. O processo penal avançou muito pouco no Brasil. As instituições continuam funcionando normalmente, dizem os políticos. Será?
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras. 

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