Soldado do Batalhão de Choque deixou topo do esporte e patrocínio por carreira militar. Na polícia, continua a vida de atleta: é a campeã interna no Super Teste de Aptidão Física, vai disputar mundial de futsal na Holanda e pretende ser a primeira mulher no curso do Bope
Raphael Gomide
iG Rio de Janeiro
Campeã brasileira de surfe, Yries Pereira abandonou patrocínio e uma
carreira de sucesso na elite do esporte no Brasil, o Super Surfe, pelo
sonho de ser militar. Desde o ano passado, ela é soldado da Polícia
Militar do Estado do Rio e trabalha no Batalhão de Choque
desde o início deste ano.
“Meu sonho de criança era ingressar na carreira militar. Mas eu achava que era incompatível com o esporte, apesar de a disciplina ser a mesma.”
Yries nasceu e cresceu há 30 anos em Ponta da Fruta, em Vila Velha (ES), onde sua casa é separada do mar apenas por 15 metros de pedras. Desde pequena, era atlética. O irmão tinha uma fábrica de pranchas e, aos 7 anos, começou a surfar. Na escola, destacava-se ainda no futebol, vôlei, handebol e basquete.
Seu talento esportivo lhe rendeu ainda duas bolsas de estudos em universidades da cidade-natal: uma tirou Yries da outra, por onde também disputava outros esportes, como aluna-atleta. Fazendo Fisioterapia, Administração ou Educação Física (que concluiu), além do surfe, Yries consagrou-se sete vezes campeã estadual de Beach Soccer, disputou o Brasileiro de Futebol Feminino pela seleção do Espírito Santo e jogou três vezes futsal nos Jubs (Jogos Universitários Brasileiros).
Mas no surfe seu talento sobressaía, e 2002 foi o ano-chave. Após vencer as duas primeiras etapas do circuito nacional de surfe feminino amador, foi convocada para a seleção brasileira que disputaria os ISA Games, principal Campeonato Mundial Amador por Equipes, na África do Sul. Até o fim do ano, tinha vencido cinco das seis etapas e se sagrou campeã brasileira amadora.
No fim do ano, profissionalizou-se no surfe, embora competisse ainda em futebol e em diversas provas de atletismo pela Universidade de Vila Velha (UVV), que bancou sua viagem à África. Passou a integrar a elite do surfe nacional feminino, o Super Surfe, com as 16 melhores profissionais do País, ao se classificar nos Super Trials, a triagem. Nos oito anos que permaneceu na categoria, Yries ficou sempre entre as oito primeiras, e sua melhor posição no ranking foi terceiro lugar.
“Eu tinha ‘adesivo no bico’ da prancha (patrocinador que pagava salário, roupas, pranchas e despesas de viagem no Brasil”, contou. Até o começo de 2011, o “adesivo no bico” lhe rendia R$ 4,5 mil, R$ 5 mil mensais à época.
“O surfe é um esporte glamouroso. Dá para se manter”, diz. Foi por anos garota-propaganda de uma marca de roupas de surfe no Estado. “Aparecia nos outdoors, saía nos jornais direto. Todo mundo me conhecia em Vila Velha e Vitória”, ri, lembrando da “fama”.
Entretanto o patrocínio não era suficiente para custear a eventual participação no circuito mundial, que poderia ter condições técnicas de disputar. Viajou para competir só ao Peru, Equador, África do Sul e conhece o Brasil “de ponta a ponta”. Nas férias, ia a Punta Hermosa, “pico” de “altas ondas” no Peru. No Brasil gostava de Ubatuba (SP) ou Joaquina (SC).
Disputou o Pan-Americano de surfe pela equipe nacional e perdeu o ouro individual “na última onda”. “Fiz uma interferência na onda da adversária.” Mas a equipe brasileira foi ouro.
"Enjoei"
“Enjoei (de competir) e abandonei o Super Surfe. Tinha obrigação de vencer sempre, muita pressão. Prefiro hoje o free surfe, surfar a hora que quero. Não ter de surfar de qualquer jeito, om frio, calor, com e sem vento e onda. Abriu concurso para a PM e me interessei e comecei a estudar.”
Aos 27 anos, fez concurso para a PM do Estado natal e ficou na suplência. Em seguida, candidatou-se para o Rio. “Tinha concurso para São Paulo, Minas Gerais e Rio. Mas aqui tinha mar e era a minha preferência. Quando vim, senti a vibração e decidi: é aqui que quero ficar”, lembra.
Por morar no Espírito Santo, esperou dois anos para a corporação fazer a “pesquisa social” (análise da vida pregressa do candidato) e dar o “nada consta”. Incorporou-se no Cefap (Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças) da PM em 31 de janeiro de 2011, no 3º Pelotão da 4ª Cia Alfa.
Passou a morar no alojamento de soldados em Sulacap, bairro 30km distante do Centro do Rio e, durante os sete meses e meio de formação, foi para casa só uma vez por mês.
Após formada, sua primeira missão foi na UPP do Morro dos Macacos . Mas seus objetivos eram mais operacionais.
Para entrar no Choque, muro de 2,60m e 100m carregando 65kg em 40 seg
Quando pôde, concorreu e foi aprovada para fazer o Curso de Controle de Distúrbios, do Choque.
Na seleção para entrar no curso, competiu com homens. Teve de subir 6 metros de corda, pular muro de 2,60m de altura, correr 10km em 1h nas Estrada das Paineiras (junto à Mata Atlântica, onde há ladeiras) e correr 100 metros em 40 segundos, carregando uma carga de 65kg nas costas.
Nunca antes uma mulher tinha conseguido participar do curso do Choque. Aprovada, raspou a cabeça com máquina 2 e se juntou à turma.
Cabelão raspado
“Que mulher rasparia o cabelo para entrar em qualquer batalhão? A máquina 2 para mulher é como se fosse máquina zero... Meu cabelo ia até a bunda. Raspei para vibrar, participar. Depois de sete meses, só cresceu isso, demora. Sofri uma lesão no tornozelo e tive de pedir para sair na segunda semana dos 45 dias de curso. Mas vou raspar de novo porque vou completar o curso”, disse.
Apesar de não completar o curso, entrou para a unidade de elite ao lado da soldado Jane, sua companheira desde os primeiros dias de PM. Não foi à toa que as duas conseguiram. Na corporação, continua como atleta. Já no Cefap, disputaram o Super TAF (Teste de Aptidão Física, competição interna), em que Yries foi campeã entre as alunas. Há duas semanas, a ex-surfista foi campeã Super TAF de toda a PM, entre as mulheres.
Atualmente trabalha na seção de Educação Física do Batalhão de Choque e continua a competir no surfe de forma amadora no Espírito Santo, onde já foi campeã estadual sete vezes. A atual fera do surfe nacional, Bárbara Segato, é também capixaba e frequenta sua casa “desde bebê”.
Também está organizando, ao lado do cabo dos Anjos – também do Choque, que disputou o mundial na Califórnia – o campeonato de surfe da PM, em 10 de novembro, em Grumari.
Vai concorrer contra os homens, como já fez outras vezes na carreira – e venceu. É possível que o campeonato seja estendido também aos “co-irmãos” Corpo de Bombeiros e Polícia Civil. “Não queremos fazer para ganhar, mas para levantar o nome da PM e do surfe.”
fonte da imagem: ultimosegundo.ig.com.br |
“Meu sonho de criança era ingressar na carreira militar. Mas eu achava que era incompatível com o esporte, apesar de a disciplina ser a mesma.”
Yries nasceu e cresceu há 30 anos em Ponta da Fruta, em Vila Velha (ES), onde sua casa é separada do mar apenas por 15 metros de pedras. Desde pequena, era atlética. O irmão tinha uma fábrica de pranchas e, aos 7 anos, começou a surfar. Na escola, destacava-se ainda no futebol, vôlei, handebol e basquete.
Seu talento esportivo lhe rendeu ainda duas bolsas de estudos em universidades da cidade-natal: uma tirou Yries da outra, por onde também disputava outros esportes, como aluna-atleta. Fazendo Fisioterapia, Administração ou Educação Física (que concluiu), além do surfe, Yries consagrou-se sete vezes campeã estadual de Beach Soccer, disputou o Brasileiro de Futebol Feminino pela seleção do Espírito Santo e jogou três vezes futsal nos Jubs (Jogos Universitários Brasileiros).
Mas no surfe seu talento sobressaía, e 2002 foi o ano-chave. Após vencer as duas primeiras etapas do circuito nacional de surfe feminino amador, foi convocada para a seleção brasileira que disputaria os ISA Games, principal Campeonato Mundial Amador por Equipes, na África do Sul. Até o fim do ano, tinha vencido cinco das seis etapas e se sagrou campeã brasileira amadora.
No fim do ano, profissionalizou-se no surfe, embora competisse ainda em futebol e em diversas provas de atletismo pela Universidade de Vila Velha (UVV), que bancou sua viagem à África. Passou a integrar a elite do surfe nacional feminino, o Super Surfe, com as 16 melhores profissionais do País, ao se classificar nos Super Trials, a triagem. Nos oito anos que permaneceu na categoria, Yries ficou sempre entre as oito primeiras, e sua melhor posição no ranking foi terceiro lugar.
“Eu tinha ‘adesivo no bico’ da prancha (patrocinador que pagava salário, roupas, pranchas e despesas de viagem no Brasil”, contou. Até o começo de 2011, o “adesivo no bico” lhe rendia R$ 4,5 mil, R$ 5 mil mensais à época.
“O surfe é um esporte glamouroso. Dá para se manter”, diz. Foi por anos garota-propaganda de uma marca de roupas de surfe no Estado. “Aparecia nos outdoors, saía nos jornais direto. Todo mundo me conhecia em Vila Velha e Vitória”, ri, lembrando da “fama”.
Entretanto o patrocínio não era suficiente para custear a eventual participação no circuito mundial, que poderia ter condições técnicas de disputar. Viajou para competir só ao Peru, Equador, África do Sul e conhece o Brasil “de ponta a ponta”. Nas férias, ia a Punta Hermosa, “pico” de “altas ondas” no Peru. No Brasil gostava de Ubatuba (SP) ou Joaquina (SC).
Disputou o Pan-Americano de surfe pela equipe nacional e perdeu o ouro individual “na última onda”. “Fiz uma interferência na onda da adversária.” Mas a equipe brasileira foi ouro.
"Enjoei"
“Enjoei (de competir) e abandonei o Super Surfe. Tinha obrigação de vencer sempre, muita pressão. Prefiro hoje o free surfe, surfar a hora que quero. Não ter de surfar de qualquer jeito, om frio, calor, com e sem vento e onda. Abriu concurso para a PM e me interessei e comecei a estudar.”
Aos 27 anos, fez concurso para a PM do Estado natal e ficou na suplência. Em seguida, candidatou-se para o Rio. “Tinha concurso para São Paulo, Minas Gerais e Rio. Mas aqui tinha mar e era a minha preferência. Quando vim, senti a vibração e decidi: é aqui que quero ficar”, lembra.
Por morar no Espírito Santo, esperou dois anos para a corporação fazer a “pesquisa social” (análise da vida pregressa do candidato) e dar o “nada consta”. Incorporou-se no Cefap (Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças) da PM em 31 de janeiro de 2011, no 3º Pelotão da 4ª Cia Alfa.
Passou a morar no alojamento de soldados em Sulacap, bairro 30km distante do Centro do Rio e, durante os sete meses e meio de formação, foi para casa só uma vez por mês.
Após formada, sua primeira missão foi na UPP do Morro dos Macacos . Mas seus objetivos eram mais operacionais.
Para entrar no Choque, muro de 2,60m e 100m carregando 65kg em 40 seg
Quando pôde, concorreu e foi aprovada para fazer o Curso de Controle de Distúrbios, do Choque.
Na seleção para entrar no curso, competiu com homens. Teve de subir 6 metros de corda, pular muro de 2,60m de altura, correr 10km em 1h nas Estrada das Paineiras (junto à Mata Atlântica, onde há ladeiras) e correr 100 metros em 40 segundos, carregando uma carga de 65kg nas costas.
Nunca antes uma mulher tinha conseguido participar do curso do Choque. Aprovada, raspou a cabeça com máquina 2 e se juntou à turma.
Cabelão raspado
“Que mulher rasparia o cabelo para entrar em qualquer batalhão? A máquina 2 para mulher é como se fosse máquina zero... Meu cabelo ia até a bunda. Raspei para vibrar, participar. Depois de sete meses, só cresceu isso, demora. Sofri uma lesão no tornozelo e tive de pedir para sair na segunda semana dos 45 dias de curso. Mas vou raspar de novo porque vou completar o curso”, disse.
Apesar de não completar o curso, entrou para a unidade de elite ao lado da soldado Jane, sua companheira desde os primeiros dias de PM. Não foi à toa que as duas conseguiram. Na corporação, continua como atleta. Já no Cefap, disputaram o Super TAF (Teste de Aptidão Física, competição interna), em que Yries foi campeã entre as alunas. Há duas semanas, a ex-surfista foi campeã Super TAF de toda a PM, entre as mulheres.
Atualmente trabalha na seção de Educação Física do Batalhão de Choque e continua a competir no surfe de forma amadora no Espírito Santo, onde já foi campeã estadual sete vezes. A atual fera do surfe nacional, Bárbara Segato, é também capixaba e frequenta sua casa “desde bebê”.
Também está organizando, ao lado do cabo dos Anjos – também do Choque, que disputou o mundial na Califórnia – o campeonato de surfe da PM, em 10 de novembro, em Grumari.
Vai concorrer contra os homens, como já fez outras vezes na carreira – e venceu. É possível que o campeonato seja estendido também aos “co-irmãos” Corpo de Bombeiros e Polícia Civil. “Não queremos fazer para ganhar, mas para levantar o nome da PM e do surfe.”