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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
Os fatos narrados aconteceram durante a missa das nove
da manhã, da Igreja de Santa Rita de
Cássia, no bairro da Nova Campinas, no último domingo de inverno deste ano.
O magnífico templo octogonal estava
claro. O sol da manhã penetrava, forte, pelos vitrais coloridos, do lado leste,
iluminando os rostos das crianças e adolescentes, obras de arte retratadas pelo
artista polonês Arystarch Kaszhuewicz.
As donzelas eternizadas em vidro
eram filhas de magnatas. Moradores da urbanização planejada pela companhia
City, de São Paulo. Eles se dobraram diante do padre Francisco de Assis Marques de
Almeida, o carismático Padre Chiquinho, a quem a Igreja Católica deve a
construção do local sagrado.
Dina, minha mulher, e eu, logo
após entrarmos, ocupamos um banco vazio, bem no meio do lado direito da nave
central. À nossa frente, sentada, Brasilina Krizak, amiga de longa data. Mais à
frente, noutro banco, também esperando o
início da celebração, Antônio José
Teixeira Mendes Filho, o Tonzé, dono do primeiro Mustang, 65, hard top, azul,
de Campinas. Fez furor entre as mocinhas.
À direita, no banco ocupado pela Brasilina,
divisei um rapaz, alto para os padrões brasileiros. Vestia bermuda e camiseta
de algodão, de gola careca, brancas. Caucasiano, cabelos curtos, corte militar, castanhos escuros, barba e bigode aparados,
tinha aspecto higiênico.
Percebi, após a entrada do padre oficiante, que a todos
cumprimentou com largo sorriso, antes do
ato penitencial, do cântico do hino de louvor e da oração, quando o moço sacou
um objeto escuro de dentro do bolso direito da bermuda.
Treinado durante décadas em
gerenciamento de crises, delegado de polícia de ofício, mesmo aposentado, pensei
tratar-se de minúscula pistola automática Beretta, 6,35 mm, ou Walther PPK. Felizmente era um smart phone, desses imensos, de conhecida marca sul coreana, com tela negra e moldura
niquelada, parecendo um picolé asteca,
uma paleta mexicana.
Passei a observá-lo, atentamente.
Durante a Primeira Leitura, o Salmo
Responsorial e a Segunda Leitura os olhos do rapagão não abandonaram a
tela, agora acesa, do aparelho.
Aninhando-o, carinhosamente, na palma da mão esquerda, com o indicador
da mão direita, fez passar, de cima para baixo, fotos, textos, filmetes,
notícias, enquanto os ministros da leitura se esfalfavam em transmitir aos fiéis
passagens bíblicas daqueles três importantes momentos litúrgicos.
Veio então a leitura do Evangelho
pelo celebrante. O jovem continuou mergulhado
no seu mundo de fantasia tocando a tela em busca de novidades. O padre Carlos, apesar de sua vibrante
homilética, não comoveu o mancebo que seguiu com os olhos grudados no smart phone. Comecei a perder a paciência.
Tive ganas de acabar com aquele sacrilégio. Meus antecedentes de aprendiz de
coroinha, de cruzado e de congregado mariano, impediram-me de cometer qualquer
tipo de pecado, venial, capital ou penal canônico. Pensei em interpelá-lo, mas
meu superego, minha censura, sobrepôs-se ao id, evitando incidente de maiores
proporções.
Então, vieram a profissão de fé,
o Credo, e a oração da comunidade, que passaram batidas para o mocetão, que não
estava nem aí com a celebração que
rolava ao seu redor. Esperei, com ansiedade, a liturgia eucarística, o cântico
das oferendas, quando os ministros da coleta foram, de banco em banco, até os fiéis,
com suas cestinhas, em busca de óbulos.
Meditei, então, com meus botões:
‘ Vai ver que ele agora vai colocar um bit coin na cesta ou fazer uma
transferência eletrônica para o Banco do Vaticano’. Mas, nada de esmola! Aguardei,
ansiosamente, o Pai-Nosso. O rapaz não
desgrudou do celular durante a oração.
Nem pegou na mão da Brasilina, que estava ao lado!!! Muito menos, durante a
fração do pão!!!
De repente, desapareceu. Fora
receber a hóstia consagrada no altar, a nordeste, deixando o celular e um
chaveiro sobre o banco envernizado , completamente vazio com a ida da Brasilina
até um dos ministros da comunhão. Pensei em surrupiar o smart phone. Não
cheguei à consumação por dois motivos: furtar é pecado sancionado pelo Sétimo
Mandamento e pelo artigo 155 do Código
Penal. O Cântico da Comunhão aliviou-me .
Não tive coragem de estragar a devoção do jovem!!!
Não sou contra a tecnologia, mas a favor do
detox para adictos em celular. Numa
época em que a Igreja Católica admite a vela virtual, penso seriamente em escrever ao Papa
Francisco pedindo que implante, mediante bula, a comunhão virtual para intoxicados em smart phones. Bastaria que
eles, no momento da Comunhão, lambessem a tela do celular, economizando a ida ao altar para receber a hóstia consagrada.
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor de Direito pela Fadusp e membro da Academia Campinense de Letras.