Aproximação israelense com países árabes, com apoio dos Estados Unidos, deixou Hamas isolado, e tensões vinham crescendo
Prédio
danificado por foguete do Hamas em Tel Aviv, Israel: ataque acontece em meio a
mudanças geopolíticas na região (JACK GUEZ/AFP) |
Rodrigo
Caetano*
A
guerra, como definiu Carl Von Clausewitz (1790-1831), é a “continuação da
política por outros meios”. Clausewitz, estrategista e teórico militar
prussiano, autor de alguns dos livros mais importantes sobre o tema, entendia
que a diplomacia, ou seja, as negociações entre países, não cessava com a
eclosão de um conflito. Na verdade, elas continuam a partir de outro cenário.
Há
duas perguntas a serem respondidas a respeito do ataque do Hamas a Israel, o
mais letal em cinco décadas. A primeira, é por que o grupo palestino decidiu
partir para a ofensiva? A segunda, e até mais importante, é por que agora?
Ambas as respostas exigem um olhar abrangente sobre o conflito, e pensar em
conexões improváveis.
A
ação do Hamas acontece em meio a negociações para uma aproximação entre Israel
e Arábia Saudita, mediada pelos Estados Unidos. Donald Trump deu início a esse
processo, e Joe Biden seguiu a política. A aparente calma na região dava a
(falsa) impressão de que sauditas e israelenses estariam perto de um acordo,
pelo qual o regime de Riad reconheceria o Estado de Israel, abrindo as portas
para uma relação diplomática entre as maiores potências do Oriente Médio.
Benjamin
Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, abordou o tema em seu discurso na
Assembleia Geral da ONU, dando praticamente como certo o entendimento com Riad.
"Essa paz fará muito para encerrar o conflito árabe-israelense”, disse
Netanyahu. “Inspirará outros Estados árabes a normalizar suas relações com
Israel, aumentará as chances de paz com os palestinos, e encorajará uma
reconciliação mais ampla entre o judaísmo e o islamismo."
Foi
um tiro no pé, como analisou Marwan Bishara, ex-professor de Relações
Internacionais da American University, em Paris, em texto no site da Al
Jazeera, rede de TV patrocinada pelo Catar, do qual é colunista. Bishara avalia
que os palestinos foram ignorados no discurso, que considerou arrogante.
Motivações
pessoais
Essa
percepção joga luz em outro aspecto às vezes negligenciados em análises sobre
diplomacia: a motivação pessoal dos líderes políticos, que nem sempre segue uma
lógica baseada em dados e fatos. O atual líder do Hamas na Faixa de Gaza, Yahya
al-Sinwar, por exemplo, veterano no conflito, passou 24 dos seus 60 anos em
prisões israelenses.
Sinwar
deixou o cárcere pela última vez em 2011, graças a uma troca de prisioneiros
negociada após o sequestro de um soldado israelense por militantes palestinos
-- não por acaso, no ataque deste sábado, os combatentes do Hamas fizeram uma
série de reféns.
Outro
líder do Hamas, Mohammed Deif, comandante das forças militares, perdeu um filho
recém-nascido, uma filha de três anos e a esposa em conflitos com o exército
israelense. “Há claramente um aspecto punitivo e de vingança na operação”,
escreve Bishara.
Desejo
de vingança e retaliação, no entanto, não respondem as duas perguntas
principais, apenas adicionam um componente motivacional que não pode ser
ignorado. A decisão de atacar e, principalmente, o timing da ação estão
relacionados com o cenário geopolítico, cuja tendência parecia desfavorável ao
Hamas.
Política
interna
Desde
que assumiu o controle da Faixa de Gaza, substituindo a enfraquecida Autoridade
Palestina, de Mahmoud Abbas, em 2007, o Hamas tenta instituir na região um
governo eficiente, com serviços públicos e medidas para a geração de emprego e
melhorias na qualidade de vida, como analisam Daniel Byman e Alexander Palmer,
pesquisadores da Georgetown University, em artigo publicado no site da Foreing
Policy, revista especializada em relações internacionais.
Essa
postura é limitada pelo isolamento econômico de Gaza e pela necessidade de se
manter como o principal movimento de oposição a Israel. Mesmo com melhorias na
gestão pública, os palestinos convivem com falta de infraestrutura, pobreza
extrema e altas taxas de desemprego.
O
Hamas sabe que um ataque a Israel terá como resposta um contra-ataque de
grandes proporções, que inevitavelmente recairá sobre os habitantes de Gaza.
Mas, o cálculo é pragmático e perverso: quanto maior é o sofrimento da
população, maior é o ressentimento, o que, esperam os líderes do Hamas, aumenta
o engajamento dos palestinos na luta do movimento contra seu inimigo.
Política
externa
Como
pano de fundo dessas movimentações internas, há um contexto maior de mudanças
geopolíticas na região, que não se resume à aproximação entre Israel e Arábia
Saudita. Os Estados Unidos, patrocinadores desse acordo, conduzem há meia
década uma política de acordos unilaterais com países do Golfo, o que é visto
pelo Hamas como uma ameaça a sua posição de líder na região – percepção
fortalecida por uma redução no fluxo de dinheiro vindo dos países árabes para
apoiar a causa palestina.
Ao
mesmo tempo, a Arábia Saudita fez movimentos de aproximação com a China e com a
Síria e, em abril deste ano, recebeu em Riad Ismail Haniyeh, o principal líder
político do Hamas, visita que não acontecia há sete anos, e se deu concomitantemente
a uma visita oficial de Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Palestina, rival
político do Hamas, ao reino saudita – não há informações sobre um encontro
entre Haniyeh e Abbas.
Em
meio a esse xadrez político, é provável que o Hamas esteja buscando relevância
diplomática diante de um cenário adverso. Seus objetivos finais, além da
criação de um estado palestino, que é o oficial, no entanto, não podem ser
determinados agora. Enquanto a guerra acontece, e parece que essa será dolorosa
para ambas as populações, a diplomacia segue em busca de um acordo. Até que
algum novo acontecimento alivie as tensões.
*Rodrigo
Caetano - Editor ESG
Trabalhou
como repórter e editor nas principais publicações de negócios do país. Venceu
os prêmios Petrobras e Citi Journalistic Excellence. Atualmente, lidera a
editoria ESG da Exame e apresenta o podcast ESG de A a Z.
Fonte da matéria: https://exame.com/mundo/analise-por-que-o-hamas-decidiu-atacar-israel-e-por-que-agora/