quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A delegada de Salve Jorge

 
Carlos Alberto Marchi de Queiroz 
 
Ivanete de Oliveira Velloso, hoje aposentada, foi a primeira delegada de polícia concursada do Brasil. Nomeada em 4 de agosto de 1975, por decreto do governador, abriu acesso às corajosas mulheres que desejavam ser autoridades policiais ou agentes. Vencendo a banca examinadora, passou por árdua prova de avaliação física carregando, às costas, um saco com areia, pesando 20 quilos. O fato ganhou destaque nacional nos meios de comunicação de massa na época.
Desde então, as mulheres vêm ingressando em todas as carreiras das policiais civis brasileiras e na Polícia Federal. Em São Paulo, ocupam hoje, um terço do contingente da polícia de investigações. Designadas para servir em áreas de risco, algumas morreram ou foram feridas no cumprimento do dever.
Surge, agora, na telinha, a bela figura da delegada Helô, titular de uma fictícia delegacia de polícia estadual, no Rio de Janeiro, empenhada, pessoalmente, em descobrir uma trama internacional de tráfico de pessoas para o exterior. Seu desempenho na delegacia, ao lado da forte presença da escrivã de polícia de seu cargo e de um eficiente detetive, cargo equivalente ao de investigador de polícia, não foge daquilo que normalmente acontece no interior das unidades policiais civis.
Existem delegadas de polícia bonitas, inteligentes, dondocas, consumistas, independentes, divorciadas e ricas como a delegada de Salve Jorge? Parece incrível, mas existem. Mas o que leva uma mulher bonita, bafejada pela fortuna, bacharel em Direito, a inscrever-se em concursos públicos, dificílimos, buscando ocupar um cargo de altíssimo risco pessoal nas carreiras policiais civis? A resposta é uma só: vocação.
Além de delegadas, as polícias civis brasileiras contam com escrivãs, investigadoras, agentes policiais, agentes de telecomunicações, fotógrafas, carcereiras, papiloscopistas e auxiliares, pilotos de helicóptero, médicas-legistas, peritas criminais, auxiliares de necropsia e atendentes de necrotério. Quadros, outrora exclusivamente masculinos, encontram-se, agora empenhados ao lado das mulheres, sem qualquer espécie de preconceito, em suas atividades-fim, o combate ao crime.
A novela, fruto da atividade humana, mostra falhas de continuidade, que não podem ser tidas como licença poética. Num dos capítulos, a intimação de uma das partes envolvidas, na verdade uma notificação, é feita por um oficial de justiça, de maleta, terno e gravata. As polícias civis não contam com oficiais de justiça desde a proclamação da República. Esse serviço é realizado, desde então, por investigadores, detetives ou agentes. A delegacia, curiosamente, não mostra nenhuma clientela, a não ser o caso investigado ao arrepio da lei.
Esses deslizes não invalidam a trama e, muito menos, a ação da delegada empenhada em desmantelar, por sua conta própria, organização criminosa dedicada ao tráfico internacional de crianças e de mulheres. Aliás, uma cruel realidade muito bem retratada e denunciada pela autora do script.
O Brasil, desde sua volta ao regime democrático, deve muito à imprensa, ao rádio e à televisão. A propaganda apresenta vantagens e desvantagens. Goebbels, ministro nazista, utilizou-a com maestria. Dentro do contexto novelístico é preciso, todavia, ressaltar que o Brasil tem uma Polícia Federal, com atribuição nacional nos 26 estados e no DF, atuando nas infrações penais em que a União figura como vítima. Por outro lado, todos os estados brasileiros e o DF possuem polícias civis e militares, destinadas a combater crimes em geral, menos aqueles em que a União aparece como vítima.
No caso enfocado pela novela Salve Jorge, a delegada estadual Helô está investigando crimes sem poder fazê-lo funcionalmente. O público telespectador não merece ser enganado. As polícias civis estaduais não têm atribuição (competência, no linguajar popular) para investigar crimes de tráfico internacional de pessoas. Nessas hipóteses, a vítima mediata é a União, e a imediata a pessoa objeto do tráfico. Só a Polícia Federal pode agir nesses casos. Trata-se de um tecnicismo processual penal que foge à compreensão do povo, em geral.
A autora do folhetim, certamente alertada, a tempo, por especialistas, faz a delegada Helô passar em concurso para ocupar um cargo de delegado da Polícia Federal. Sem querer, vai ajudá-la em termos salariais, pois, como delegada fluminense, ganha quase o mesmo que seus colegas dos demais estados. Os delegados federais e seus agentes, em razão de saudável política salarial do governo central, recebem o triplo dos estaduais. A União acompanha a política salarial das mais modernas polícias do mundo. Assim, a delegada Helô, após cursar por algum tempo a Academia de Polícia Federal, em Brasília, certamente, vai poder consumir um pouco mais, ajudando, assim, o crescimento da economia...
 
Carlos Alberto Marchi de Queiroz
é professor da Academia de Polícia


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