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Carlos Alberto Marchi
de Queiroz*
Li, estarrecido, no Correio Popular, de 26 de junho, A2,
que um morador de Sumaré ajuizou pedido de habeas corpus em favor do
ex-presidente Lula, no intuito de protegê-lo contra eventual ordem de prisão
decorrente das investigações da Operação Lava Jato.
Felizmente o writ, que apontava o
juiz Sergio Moro como autoridade coatora, foi negado pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF4).
A ação constitucional de habeas
corpus objetiva garantir a liberdade de alguém sempre que sofrer ou se achar
ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por
ilegalidade ou abuso de poder, nos exatos termos da redação do inciso LXVIII do
artigo 5º da Constituição Federal.
Muito embora presente no
ordenamento jurídico desde o Império, não constitui criação nacional, ao
contrário do mandado de segurança, tão brasileiro quanto a jabuticaba.
O habeas corpus foi um dos vários
benefícios decorrentes da promulgação da Magna Carta, em 15 de junho de 1215,
ocasião em que os barões ingleses, nos campos de Runnymeade, obrigaram o rei
John Lackland, ou João Sem Terra, a firmar o documento, matriz das
constituições dos países democráticos.
O modelo brasileiro permite que
qualquer pessoa, em primeira instância, sem auxílio de advogado, ajuíze a
medida, como fez o rábula de Sumaré, rotulado pela mídia como Sherlock Holmes, que
se orgulha de haver libertado traficante perigoso, culpadíssimo, só para se
“vingar de um juiz”.
O processo penal admite dois
tipos de habeas corpus: o preventivo, como o utilizado pelo se dizente
consultor para, supostamente, proteger Luiz Inácio Lula da Silva, e o
liberatório, que dispensa comentários.
A impetração do remédio heroico,
tido por alguns como recurso e não como ação, não exige requerimento específico: o informalismo constitui
a tônica da petição, que escapa às rotinas
forenses.
A história do habeas corpus no
Brasil registra episódios curiosos. A literatura jurídica compila pedidos
feitos por telegrama, por teletipo, por fax, e agora por e mail, assinados
pelos interessados, independentemente de assistência legal. Casos houve em que
as impetrações foram feitas sobre a palmilha de um chinelo ou sobre o fundo de
um prato de alumínio, com uma simples mensagem: Senhor juiz, estou preso
injustamente!!!
O habeas corpus, cujo nome deriva
da expressão latina “habeas corpus subjiciendum”, i.e., “apresente-se a pessoa
do acusado perante o tribunal”, registra dois casos interessantes, a partir de
2014: impetrações tendo como suportes um lençol e um rolo de papel higiênico. A
impetração com papel higiênico, enviada pelo correio, foi fotografada,
digitalizada e autuada na corte para apreciação judicial. Atualmente, o lençol
e o papel higiênico fazem parte do Museu do STJ.
Nesse contexto, mais duas impetrações
merecem lembrança. Ambas aconteceram na região meridional do Brasil: o caso do
habeas carrus e o caso do habeas plumbum.
O habeas carrus, o HC do
automóvel, foi impetrado por advogado para liberar veículo apreendido pela
polícia. O habeas plumbum, o HC do colete de chumbo, foi impetrado por
criminalista a fim de impedir que seu cliente, traficante de drogas, que
engolira a prova do crime, tivesse seu corpo devassado através de exame de
raios X, pedido pelo delegado.
No caso sumareense, cuja petição,
considerou Sergio Moro “moralmente deficiente”, “hitleriano” e de ter” fraudado
a sentença de Nestor Cerveró”, sobrarão estilhaços penais, uma vez que o
Lanterna Verde não conta com a proteção conferida pela lei penal aos advogados
em relação a crimes de injúria e de difamação, ocorridos em juízo, na discussão
da causa, conforme previsão contida no artigo 142, inciso I, do Código Penal.
Talvez, brevemente, alguém impetre um HC por sua conduta.
Caso o amável leitor deseje
impetrar um HC, sugiro consultar, sempre, um advogado, antes de tentar obtê-lo,
sob pena de responsabilidade.
O saudoso doutor Flávio Augusto
Paulino, um dos maiores criminalistas de Campinas, recomendava que o habeas corpus
deveria ser utilizado apenas em casos
extremos, com redobrada cautela, posto
que sua denegação equivaleria a uma espécie de pré-julgamento, colocando o
paciente perto da condenação.
O Super Homem de Sumaré, à
revelia de Lula, ao invés de ajudar, complica a posição do paciente. Preocupado
com tamanha insânia, o ex-presidente teria cogitado, com o auxílio de advogados, atravessar uma petição na barafunda,
objetivando neutralizar os efeitos deletérios da presepada.
Após a promoção do cômico habeas
carrus e do criativo habeas plumbum, o cenário forense parece tornar-se palco perigoso de nova modalidade do remédio heroico: o habeas
burrus.
*Carlos Alberto Marchi
de Queiroz é professor de Direito