quarta-feira, 30 de março de 2016

Uma rosa é uma rosa é uma rosa


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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
Nunca imaginei em minha vida que algum dia iria lançar mão da célebre frase tautológica de Gertrude Stein, a musa de Ernest Hemingway, a fim de ilustrar um dos meus escritos. Todavia, tão logo o ministro Luiz Edson Fachin deixou de funcionar como relator original no habeas corpus impetrado por advogados de Luiz Inácio Lula da Silva, livrando-se do feito e reencaminhando o remédio heroico para a presidência do Supremo Tribunal Federal, quis o destino que, por sorteio, o rumoroso caso que tramita pela 13ª Vara Federal de Curitiba fosse cair nas mãos sábias da ministra Rosa Weber.
A tautologia de Gertrude Stein, publicada em um de seus poemas em 1913, em Paris, constitui formulação minimalista, rica em ambiguidade, própria dos seus textos. A frase, repetida por muitos intelectuais, aproveitada até por Vinícius de Moraes em seu “Rancho das Flores,” ajusta-se, como uma luva, ao imbróglio processual vivido pelo STF desde o início deste ano.
A ministra Rosa Weber, designada para a relatoria do caso, não poderia, e não deveria, no meu quase cego ver, figurar em tal posição, uma vez que processualmente impedida, já que, como do conhecimento geral, foi citada, nominalmente, com muita intimidade, numa das conversas telefônicas mantidas por Lula com Jaques Wagner e interceptadas pelos policiais federais da Operação Lava Jato.
A ministra Rosa Weber, como é público e notório, foi relatora de anterior pedido formulado pela defesa de Lula que tentou, em vão, retirar da presidência do juiz federal Sérgio Moro a direção das investigações em que o ex-presidente figurava no polo passivo de inquérito policial aforado na 13ª Vara Federal de Curitiba, Paraná.
Nas conversas mantidas entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jaques Wagner, então ministro chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, o ex-presidente sugeriu que o ex-governador da Bahia conversasse com a presidente sobre “o negócio da Rosa Weber”, detalhe sumamente delicado que deve ter estimulado, de um lado, o interesse da cidadania, e de outro, a curiosidade dos fofoqueiros de plantão.
Não fosse isso o suficiente para que a nobre ministra pudesse, eventualmente, alegar seu impedimento ou, até mesmo, sua suspeição, veio à tona uma nova variável, qual seja, a de que o juiz Sérgio Moro atuou como assessor criminal de Rosa Weber em gabinete dentro do prédio do Supremo Tribunal Federal durante o desenrolar processual do julgamento apelidado pela picardia nacional como Mensalão.
Neste ponto, convém esclarecer ao amável leitor que em todos os tribunais de segunda instância no Brasil, localizados nas capitais dos Estados, assim como nos tribunais superiores em Brasília, inclusive no próprio Supremo Tribunal Federal, existe uma plêiade de operadores do Direito, composta por jovens promotores de justiça, procuradores de estado, juízes de direito, escolhidos a dedo, de reputação ilibada e de extraordinária cultura jurídica, chamados de assessores jurídicos, na verdade ghost writers, servidores públicos encarregados da pesquisa mais atualizada da doutrina, da jurisprudência e da elaboração de pareceres, relatórios, votos e votos divergentes proferidos pelos desembargadores e ministros que os selecionaram. O juiz federal Sérgio Moro foi um desses quadros notáveis que trabalharam na logística jurídica de Rosa Weber e que regressaram, depois, aos seus torrões natais.
Portanto, fácil concluir que durante o tempo em que o juiz Sérgio Moro serviu no gabinete de  Rosa Weber em Brasília tornou-se pessoa de sua mais inteira confiança, integrante do círculo íntimo das relações pessoais da ministra, circunstância que o coloca, ainda, na rota de Lula e em situação de previsível colisão face à latente suspeição da ministra em decorrência dessas circunstâncias.
O artigo 254 do Código de Processo Penal dá aos magistrados as primeiras balizas para a alegação da suspeição fornecendo-lhes os primeiros lineamentos. O artigo 97 do mesmo estatuto alerta que “o juiz que espontaneamente afirmar suspeição deverá fazê-lo por escrito, declarando o motivo legal e remeterá imediatamente o processo ao seu substituto,  intimadas as partes”. Foi o que fez o ministro Fachin  ao revelar ser amigo íntimo e padrinho de uma filha de um dos advogados de Lula signatários do habeas corpus.
Tinha a mais absoluta certeza de que a ministra Rosa Weber dar-se-ia como impedida de atuar nessa rumorosa ação de habeas corpus evitando manchar sua reputação ilibadíssima nesse novo mar de lama registrado pela história política do Brasil. Isso não aconteceu, infelizmente. Agora, tenho a mais absoluta convicção, diante de sua decisão, horas depois corrigida pelo ministro Teori Zavascki, que, tristemente, todos os brasileiros cantarão, perplexos, mais uma vez, a letra e  a música de Cartola em sua imortal “As rosas não falam”. 
*Carlos Alberto Marchi de Queiroz, professor de direito e membro da Academia Campinense de Letras.

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