domingo, 10 de abril de 2016

TEREZA DÓRO, DELEGADA DE POLÍCIA


 
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Carlos Alberto Marchi de Queiroz*

“O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas” é famosa frase de João Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas”.  A doutora Tereza Nascimento Rocha Dóro  nos deixou. Desnecessário reproduzir seu exuberante currículo. Como reza o brocardo latino, “notoria non sunt probanda”.  Fatos notórios dispensam provas!
Li, com tristeza, a notícia de sua passagem em tempo pascal, no Correio Popular de 2/4,A 10,  que descreveu sua vida particular e pública. Dela pincei discreta referência sobre sua passagem pela Polícia Civil como “delegada de polícia por um ano”, contorno pouco sabido.
Graduada em Direito pela PUC- Campinas, em 1974, Tereza, no ano seguinte, inscreveu-se para o concurso de provas e títulos para ingresso na carreira de delegado de polícia instaurado em 1975. O polêmico secretário da Segurança Pública, coronel Antonio Erasmo Dias, convencera o governador Paulo Egydio Martins que a Polícia Civil precisava admitir 600 delegados para preencher claros, que, curiosamente, ainda existem!!!
Tereza apresentou-se no concurso DP 1/76 concorrendo às 280 vagas iniciais. As 320 restantes seriam alocadas nos  DP 2/76 e DP 3/76. Eu também me inscrevi no certame, aberto para os fortes que trazem o Direito Penal na alma. Delegados de polícia operam, com exclusividade, no campo penal, ao contrário de juízes e promotores que, ajustam-se aos ramos da árvore do Direito.
 Conheci Teresa, de vista, nos corredores do Palácio da Justiça, pois quando se iniciava no Direito Penal eu já caminhava, na mesma senda, desde 1969, fazendo defesas no Tribunal do Júri. Nunca nos falamos. Os tempos eram difíceis. Os criminalistas famosos de Campinas, à época, Álvaro Cury, Ralph Tórtima Stettinger, Flávio Augusto Paulino e José Yahn Ferreira não abriam espaço para a jovem concorrência.
Inscrevi-me no DP1/76 por paixão à carreira, pelo amor ao Direito Penal, e  por necessidade financeira, pois o segundo filho, Carlos Alberto, estava a caminho e a advocacia criminal não rendia.  Aprovados em prova escrita, com duração de quatro horas, numa época que não se falava em testes objetivos, idiotas, de múltipla escolha, Teresa e eu fomos matriculados no curso de formação em turmas diferentes, organizadas por ordem alfabética. Ela caiu na classe de Rosmary Corrêa, que, depois, tornar-se-ia a primeira Delegada da Mulher em São Paulo, apresentadora de televisão e deputada estadual. Teresa e Rose viraram colegas. Sempre, nos intervalos,  eram vistas juntas no saguão da Acadepol. Naquela época, a Polícia Civil contava com duas delegadas, Ivanete Velloso e Glória Salaverry. Teresa e Rose estavam sendo treinadas para serem a terceira e a quarta na carreira, em tempos de fortíssimo preconceito contra mulheres que almejavam ser autoridades policiais.
Iniciado o rigoroso curso, em abril de 1976, Tereza recebeu idêntico treinamento em Investigação Policial, Inquérito Policial, Processo Contravencional, Armamento e Tiro, Primeiros Socorros, Medicina Legal, Legislação de Trânsito, Criminalística, Polícia Política, Policiamento Preventivo Especializado, Legislação Penal Especial, Condicionamento Físico, Processo Administrativo Disciplinar, Telecomunicações, Técnicas de Interrogatório e Defesa Pessoal. Durante três meses os delegados-alunos, ao final de cada módulo, eram avaliados por  escrito. Também eram conceituados, sigilosamente, em relatórios individuais. Trazer tatuagem, que se tornaria moda no século 21,  no corpo, não era proibido pelo edital. Mas existia preconceito por parte da banca, do delegado geral Joaquim Humberto de Moraes Novaes e do próprio coronel Erasmo, centauros da Polícia, metade cavalos e a outra também... Na Academia de Polícia, no campus da USP, delegadas eram proibidas de usar calças compridas!!!
Em meados de julho de 1976, os delegados-alunos, nomeados para a segunda fase, foram encaminhados para a terceira fase de exames orais de Direito Penal, Processual Penal, Administrativo e Constitucional. Tereza foi arguida, também, sobre o Código Penal de 1969, ainda em vacatio legis.  Observou, corajosamente, ao examinador Zahir Dornaika, presidente do concurso, que o edital não mencionava o projeto de Nelson Hungria.  Mesmo assim, aguerrida como sempre, respondeu, com altivez e correção, as questões formuladas!!!
No final do mês, o nome de Tereza, née Nascimento Rocha, não apareceu no decreto de efetivação firmado pelo governador. A Polícia Civil, por preconceito, deixou de contar em seus quadros com a mulher que poderia ter sido a primeira delegada de classe especial na história da instituição. Mas ganharam, por tamanha injustiça, a advocacia criminal, a OAB de Campinas, o ensino do Direito, lecionando, também, para Isadora, minha filha.
Enfim, como disse Fernando Pessoa, “a morte é a curva da estrada. Morrer é só não ser visto”.

*Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.

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