quarta-feira, 9 de maio de 2018

A agonia do Inquérito Policial

Processo Penal
link da imagem: http://noticias.band.uol.com.br/cidades/rs/noticia/100000682797/Caso-Bernardo-conheca-detalhes-do-inquerito.html: 

Carlos Alberto Marchi de Queiroz*
O Correio Popular, de 24/4, A16, noticiou que, em Toronto,  capital econômica do Canadá, uma  van, um  dia antes, fora jogada contra pedestres. Dez pessoas  morreram. Quinze ficaram feridas. Capturado pela Polícia, o motorista, dois dias após, foi denunciado (indicted) pelo Ministério Público, responsabilizando-o  pelos homicídios  consumados e tentados.  Denúncia recebida,   o processo  caminha.
O Correio Popular, de 27/4, A12, noticiou a captura de assassino em série, quarenta anos depois, pela Polícia de Sacramento, Califórnia.  Joseph James DeAngelo, 72 anos,  policial entre 1973 e 1979, em Auburn,  bem pertinho,  demitido da força por furto, teria cometido 12 homicídios, 45 estupros e 120 roubos residenciais.
No dia seguinte, este jornal revelou que o homicida serial fora  denunciado (indicted), numa corte local, pela promotora Anne Marie Schubert. Nos condados de Orange e Ventura, nas proximidades, outro district attorney  anunciou que pediria  pena capital para o “Golden State Killer”.  DeAngelo foi preso após investigações policiais baseadas em técnicas de DNA aplicadas sobre material coletado nos locais de crime.
Imagine o amável leitor, se ambos  casos fossem registrados, no Brasil,  em boletins de ocorrência e apurados em  obsoletos inquéritos policiais, consideradas as distâncias que separam Toronto e Sacramento, supostamente localizadas em nosso país-continente. O atento leitor pode imaginar o tempo que  seria gasto para finalização desses inquéritos e  consequentes ações penais?  Ambos durariam, pelo menos, 5 anos para conclusão em primeira instância!!!
O ultrapassado inquérito policial surgiu no Brasil em fins de 1841. Passou a ser utilizado em janeiro de 1842. Procedimento presidido pelo delegado, foi empregado em Campinas em 1844 para apurar, sem sucesso, a autoria da morte da mãe de Carlos
Gomes, assassinada defronte o  Mercado Municipal. Antes, crimes e contravenções eram apurados pelas devassas, presididas por juízes criminais. Tiradentes é, até hoje,  seu mais famoso indiciado.
Em  fins de 1841 a devassa virou inquérito e o juiz criminal foi substituído pelo  seu delegado,  com os escrivães que magistrados tinham direito. Entre 1842 e 1871, o inquérito prestou relevantes serviços à  Justiça.  Delegados pronunciavam  envolvidos perante o Tribunal do Júri, que julgava todas as infrações penais.

Em 1871, o Poder Judiciário, face à nefasta influência  política e corrupção nos pretórios policiais, desvencilhou-se do inquérito policial. Mandou seus delegados para o Poder Executivo. Anjos caídos, os delegados foram expulsos do Paraíso e despachados, de mala e cuia, para  onde hoje, irregularmente, se encontram.
Como compensação, os delegados de polícia mantiveram alguns poderes quase-judiciais, como a prisão em flagrante, a condução coercitiva dos atores do inquérito, ora suspensa pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, a fixação de fiança criminal até 100 salários mínimos, as horripilantes exumações, o indiciamento (indictment no Canadá e nos EUA) e as intimações, feitas por seus oficiais de justiça, hoje investigadores.
Com a proclamação da República, em fins de 1889, a competência para legislar em matéria  processual penal passou para os 21 estados-membros dos Estados Unidos do Brasil. Bagunça total! Só o Estado de São Paulo salvou-se do naufrágio legislativo, ao editar o Regulamento Policial do Estado, de 1928. Em 1º de janeiro de 1942, a lei  especial do  inquérito policial foi embutida pelo ditador Vargas entre os artigos 4º e 23 do vigente Código de Processo Penal. Envelheceu, apesar das  tentativas de salvá-lo com  artigos modernizados, enxertados a marretadas legislativas.
Hoje o inquérito  está totalmente desmoralizado.  Depoimentos  precisam ser repetidos em juízo. Somente provas médico-legais e periciais, conhecidas como “testemunhas silenciosas”,  irrepetíveis no fórum,  valem.  Cartórios  atulhados de feitos  são tocados por escrivães estressados e mal pagos,  cujos delegados, na sua maioria, apenas assinam  peças quando indiciados, testemunhas e vítimas encontram-se a quilômetros de distância das unidades policiais. A Lei nº 9.099/95 devorou-o em dois terços. Hoje, somente  um terço dos crimes é investigado dentro do inquérito policial. Os demais, pelo Jecrim, felizmente.
Já é hora de se buscar, na legislação comparada, um novo modelo para a investigação criminal brasileira, mais ágil, como os métodos canadenses e norte-americanos. Também, um novo modelo de Polícia,  bem paga, distante da tolice técnica recentemente proposta pelo atual governador do Estado,  pretendendo deslocar a Polícia Civil para a Secretaria da Justiça, e não para o Poder Judiciário, onde nasceu!!!
O artigo 144 da Constituição Federal merece uma emenda constitucional moderna, compatível com as polícias mundiais do século XXI, livrando suas polícias civis e militares das matrizes portuguesas trazidas por Dom João VI. O Brasil precisa, urgentemente, a médio prazo, de um novo modelo policial e de investigação criminal. No país da Embraer, o inquérito policial é um 14Bis!!!
Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras.


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